Blog do Pablo Miyazawa

O contrabaixo é o maior injustiçado do rock. Mas a internet quer mudar isso

Pablo Miyazawa

O culto a Cliff Burton, baixista do Metallica, ajuda a manter o baixo em alta no YouTube

O culto a Cliff Burton, do Metallica, ajuda a manter o baixo em alta no YouTube. Foto: Divulgação

Pobres baixistas.

De um modo geral, nenhum instrumentista é menos valorizado no universo do rock tradicional, aquele do esquema voz-guitarra-baixo-bateria. Guitarristas são considerados heróis; bateristas suam a camisa e causam fascinação; vocalistas normalmente são o centro das atenções – como não seriam? Os baixistas, por sua vez, são pouco percebidos e frequentemente mal são ouvidos pela maioria. E isso não é culpa do clichê que diz que esses músicos são mais discretos em relação aos outros. A questão é mesmo científica. De fato, quando se trata de um instrumento de frequências graves que serve para compor a base da música, fica difícil concorrer sonoramente de igual para igual com timbres mais agudos e evidentes.

Baixistas normalmente convivem com a falta de holofotes (claro que há muitas ótimas exceções), mas creio que a maioria deles não sofre por isso. Eu acredito que muita gente escolheu o baixo como instrumento justamente para combinar com a personalidade mais discreta de quem não quer todas as luzes em si. De modo geral, o baixista é um trabalhador braçal que não exige tanta adulação e que está satisfeito em fazer o próprio trabalho pelo bem da música. E no que diz respeito à importância, espero nem precisar reforçar o papel obrigatório que o contrabaixo tem no rock, que dirá em outros gêneros mais “silenciosos” como o pop, o jazz, o funk e o blues. Para deixar um exemplo, tente escutar “All My Loving” sem as linhas galopantes de Paul McCartney para ter uma breve ideia.

Capa de “A Vida e a Morte de Cliff Burton”, do britânico John McIver (Ed. Gutenberg/Divulgação)

Capa de “Cliff Burton – A vida e a morte do baixista do Metallica”, do britânico John McIver (Ed. Gutenberg/Divulgação)

Terminei de ler essa semana “Cliff Burton: A Vida e a Morte do Baixista do Metallica” (Ed. Gutenberg), biografia do finado músico que será lançada no mês que vem no Brasil. Burton é um caso único em se tratando de música pesada. Instrumentista virtuoso e de criatividade incontrolável, ele nunca se contentou com o papel normalmente secundário do baixo no heavy metal. Suas performances ao vivo eram shows a parte que ofuscavam quem estivesse no mesmo palco. Entre seus muitos méritos, conseguiu emplacar o solo “Anesthesia (Pulling Teeth)” no primeiro disco do Metallica e compôs riffs e harmonias que ajudaram a determinar o caminho mais melódico que a banda tomaria com o passar dos anos. Morreu em uma acidente de ônibus em 1986, aos 24 anos, sem jamais presenciar o Metallica se tornando o maior grupo de música pesada do planeta. O vídeo abaixo dá um gostinho do que Burton mais gostava de fazer.

Também infelizmente, Burton nunca foi muito privilegiado nas mixagens do Metallica. É preciso ter um ouvido muito atento e certa predisposição para reconhecer as linhas intrincadas, distorcidas e cavernosas enterradas entre as paredes de guitarras de James Hetfield e Kirk Hammett (para quem quiser uma alternativa, escute essa versão de “Ride the Lightning” com o baixo reforçado, o disco em que a habilidade de Burton fica mais evidente). Criadas por fãs, essas versões remixadas existem aos montes no YouTube, assim como trilhas separadas do baixo de diversas músicas (procure pelas palavras “bass track only”, “bass isolated” e “bass enhanced” para encontrar).

Após a morte de Burton, o Metallica apenas evidenciou o problema crônico de não conceder muito espaço aos seus baixistas. Basta conferir “…And Justice for All” para não escutar absolutamente nenhum resquício do baixo de Jason Newsted (que substituiu Burton). Ainda bem que os fãs de hoje servem para consertar os pecados dos ídolos. Escute aqui a famosa versão “…And Justice for Jason”, que traz para o primeiro plano a eficiente performance gravada por Newsted, antes soterradas por dezenas de trilhas de guitarras. É quase outro disco.

Comecei a tocar baixo aos 14 anos, confesso que muito influenciado por Cliff Burton. E desde sempre notei que o preconceito para com os baixistas é quase um padrão-piada entre as bandas de garagem. “Qualquer um consegue tocar!”, “Escolheu o baixo porque só tem quatro cordas, é mais fácil!” e “Pra que aumentar o volume se ninguém escuta mesmo? Não faz diferença” são só algumas das bobagens que ouvi ao longo dos anos. Concordo que o baixo não nasceu para aparecer tanto (o nome do instrumento denota isso) e que 90% do tempo ele tem um papel secundário em faixas movidas a guitarras. Mas defini-lo como fácil e desimportante? É melhor pensar (ou ouvir) novamente.

Graças à internet, o culto ao baixo só aumenta. O YouTube é um rico depositório de instrumentistas amadores que, silenciosamente – como é o praxe entre os baixistas – têm tentado inverter o padrão vigente. Não faltam canais de jovens músicos exibindo habilidades e reforçando o papel que o contrabaixo tem na música popular. Mais do que mero exercício masturbatório, é uma tentativa honrada de trazer para o holofote um instrumento que naturalmente se colocou na função secundária em favor da eficiência da música. Assista/escute os vídeos acima e abaixo e comece a ouvir o contrabaixo com mais carinho.

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O italiano Davie, de 20 anos, posta vídeos semanais tocando linhas de baixo consagradas e improvisos baseados em funk. Um dos trabalhos mais famosos dele é uma sequência de 100 basslines icônicas, emendadas uma na outra com a ajuda de uma bateria eletrônica.

Na esteira de Davie, Marc Najjar e Nate Bauman, da banda Royale, também selecionaram 100 linhas de baixo famosas e tocaram juntos em estúdio, dessa vez no esquema “drum & bass”. Repare como muitas coincidem com a do vídeo anterior.

Mais teórico, o canal CoverSolutions escolheu 50 introduções baseadas no baixo, sem se aprofundar muito em cada uma, mas ensinando o público a tocar com a ajuda de tablaturas.

Até o ano passado, a catalã Marta Altesa produzia vídeos tocando linhas de baixo de pop e rock, como Red Hot Chili Peppers, Stevie Wonder e Jamiroquai.

Anna Sentini é uma multiinstrumentista norte-americana que faz sucesso com vídeos tocando baixo em clássicos da Motown, além de faixas de Daft Punk, Iron Maiden e Rage Against the Machine.

Conhece outros exemplos? Aceito recomendações. O baixo agradece.