Blog do Pablo Miyazawa

Arquivo : novembro 2014

Stephen King escreve para fazer você feliz – e a ele próprio também
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Pablo Miyazawa

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Stephen King em 2012: ele não dá mais ouvidos para os críticos. (Foto: AP Photo/Elise Amendola)

Quem aí ainda lê os livros de Stephen King?

Eu confesso que não leio tanto quanto gostaria. Aliás, li muito pouco em relação à enorme quantidade de livros que ele continua a produzir. O que é até uma contradição, porque eu o considero um dos meus escritores vivos favoritos. Mas meu enorme respeito a ele não está exatamente ligado ao estilo de escrita ou às histórias que ele inventa. Faz sentido?

Um dos mais prolíficos e lidos escritores das últimas quatro décadas, King lança uma média de mais de um livro por ano, sem contar os volumes de contos e crônicas. E mesmo que a categoria de suas histórias tenha lá seus altos e baixos, ninguém pode questionar a produtividade do sujeito – são 67 anos de idade, e pelo menos 50 deles dedicados a escrever. E voltando ao questionável fator qualidade, é bom lembrar que quase 60 longas-metragens baseados na obra dele já foram produzidos. Se as histórias de King fossem muito ruins, será que tantos se dariam ao trabalho de filmá-las?

RevivalNa semana que vem, ele lança “Revival”, 54º romance de sua carreira, que tem sido descrito como “uma versão da história de Frankenstein nos tempos modernos”. Para promover o livro, King deu uma longa entrevista para a revista Rolling Stone. É um fato raro, porque desde que sofreu um acidente automobilístico, em 1999, ele pouco falou com jornalistas ou se abriu sobre sua vida pessoal. Uma biografia foi lançada em 2010 (“Coração Assombrado”), mas sem a participação do biografado. O mais próximo que há de uma autobiografia de King é o indispensável “On Writing – A Memoir of the Craft” (2000), um delicioso guia sobre técnicas e a arte de escrever bem, e que deveria ser uma das bíblias de todo aprendiz de escritor que se preze. Ao que tudo indica, “On Writing” finalmente será lançado no Brasil em 2015, pela editora Suma de Letras.

Voltando à entrevista, King falou sobre tudo o que lhe cabe. Política, religião, deus e o diabo, o futuro dos livros de papel, a relação de dependência a drogas e álcool, sobre a arte de escrever e o medo de falhar. Assim como é quando escreve histórias fantásticas, ele não tem o menor problema em se expressar e ser claro, principalmente quando se trata de criticar quem o critica. Muitos autores que fazem sucesso com o público não são aclamados pela chamada “academia”, e King por muito tempo fez parte dessa leva. Hoje ele é até mais respeitado (e o sucesso com o público pouco cedeu), mas ainda guarda certo rancor de quem o desdenhou pelos temas que imperam em sua obra – o suspense e o terror.

King relembrou uma das alfinetadas que mais lhe afetou. “No começo da minha carreira, o [jornal] ‘The Village Voice’ fez uma caricatura minha que me dói até hoje se penso a respeito. Era eu comendo dinheiro, com uma cara enorme, inchada. Era um pressuposto de que se [um livro de] ficção estava vendendo muitas cópias, é porque era ruim. Se algo é acessível a muitas pessoas, então tem que ser algo burro, porque a maioria das pessoas são burras. E isso é elitista. Eu não aceito.”

O escritor norte-americano sabe que hoje não só é mais respeitado pelo conjunto de seu trabalho, como também foi o responsável por elevar o nível desse gênero da literatura. Mas Stephen King também sabe retribuir à altura a arrogância de alguns críticos que desmerecem seus livros por serem pop ou acessíveis demais. “Há alguns por aí que pegam a ignorância deles sobre cultura popular como um distintivo de bravura intelectual”, declarou.

Outro trecho que surpreende é quando King admite que não compreende o atual culto em torno do filme “O Iluminado”, baseado em seu livro de 1977. É hilária a parte em que ele descreve a reação que teve na primeira vez que assistiu ao adorado longa de Stanley Kubrick (e é de fazer um fanático pelo filme cair para trás).

“Eu não entendo [o culto ao filme]. Mas tem muitas coisas que não entendo. Mas obviamente as pessoas adoram, e elas não entendem o porquê de eu não [gostar também]. O livro é quente, o filme é frio. O livro termina com fogo, e o filme, no gelo. No livro, existe um arco em que você vê esse cara, Jack Torrance, tentando ser bom e aos poucos se tornando um maluco. E pelo que percebi, quando vi o filme, o Jack é maluco desde a primeira cena. Eu tinha que manter minha boca fechada na época. […] E o filme é tão misoginista, digo, a Wendy Torrance é apresentada como uma mocreia que só fica gritando. Mas esse sou eu, é como eu sou.” Ou seja, King provavelmente ficou incomodado com o fato de a versão cinematográfica não carregar a essência da obra original. Se ele tem amor pelo próprio trabalho, então essa visão é bastante justa.

Pessoalmente, acho interessante e inspirador perceber Stephen King como um escritor realizado e bem-sucedido que continua a trabalhar para agradar o seu leitor. E apesar de afirmar que é impulsionado a satisfazer o máximo de pessoas possível, ele garante que jamais se limitaria a fazer apenas o que o público espera dele. Sobre o tortuoso ofício de escrever, definiu de maneira perfeita: “Tem duas coisas sobre isso de que gosto: isso me faz feliz, e faz outras pessoas felizes.”

Goste você ou não das histórias de Stephen King, tem como não respeitar um cara desses?


Cinco novos discos brasileiros para ouvir agora
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Pablo Miyazawa

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Criolo lançou hoje o novo álbum “Convoque seu Buda”. (Foto: Caroline Bittencourt/Divulgação)

Música é isso: é bom falar, ler e escrever sobre, mas de vez em quando é bom escutar também. Separei aqui alguns dos diversos lançamentos de artistas nacionais que surgiram nos últimos dias. Aproveite, que a maioria deles pode ser escutada ou baixada oficialmente de graça. Ah, as maravilhas da tecnologia.

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Criolo – “Convoque seu Buda”
O rapper paulistano mais aclamado do Grajaú acabou de lançar o sucessor do premiado “Nó na Orelha” (2011). Dá para ouvir o disco completo no link abaixo, ou baixar os arquivos em mp3 gratuitamente aqui.

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Pato Fu – “Não Pare pra Pensar”
A banda do casal Fernanda Takai e John Ulhoa também está de disco novo. É possível escutar 30 segundos de cada faixa no player abaixo. Para ouvir o álbum inteiro, é só se cadastrar em um serviço de streaming como Deezer ou Spotify.

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Holger – “Holger”
O quarteto paulistano também lança um disco novo hoje, o terceiro (que carrega o nome da banda), que pode ser ouvido na íntegra no player abaixo. O primeiro single, “Café Preto”, ganhou um belo videoclipe.

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Reginaldo Lincoln – “Nosso Lugar”
O baixista e compositor do Vanguart acabou de lançar um disco solo no qual ele próprio cantou e tocou todos os instrumentos. Não tem player para streaming, mas dá para escutar todas as faixas neste link do site dele.

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Foto: Patricia Pierro/Divulgação


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Charme Chulo – “Crucificados pelo Sistema Bruto”
Os curitibanos se definem como os principais representantes do indie rock caipira do país – e eles devem estar certos. No player você escuta seis músicas do disco duplo feito com crowdfunding. Ou se quiser baixar todas as 20 faixas, clique aqui.


Ele andou sobre a corda bamba na TV ao vivo. Mas e se desse tudo errado?
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Pablo Miyazawa

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Vida, louca vida: Nik Wallenda caminha no céu de Chicago. (Reprodução)

De origem alemã, a família Wallenda carrega uma tradição circense de mais de 100 anos. Os “The Flying Wallendas”, como são conhecidos, especializaram-se em proezas com cabos de aço e sem redes de proteção. Atualmente, Nik Wallenda é o mais notório integrante da família e vive literalmente por um fio, percorrendo longas distâncias a alturas absurdas. Ele já atravessou por cima das Cataratas do Niagara e o Grand Canyon, ambos feitos transmitidos ao vivo pela televisão. Ontem, o palco da loucura foi o centro empresarial de Chicago.

Wallenda tem 35 anos e praticamente nasceu na corda bamba. Para se ter uma ideia, a mãe dele se equilibrava em cabos de aço até o sexto mês de gravidez. Para ele, como definiu em entrevista à revista “Time”, “pode ser difícil de entender, mas isso é a vida para mim”. Nik tem batido seguidos recordes mundiais ao longo dos anos, e ontem, superou dois deles em um espaço de duas horas.

O Discovery Channel transmitiu as proezas de Nik Wallenda para 220 países. Foi quase ao vivo: havia um delay de 10 segundos, para permitir o corte em caso de alguma tragédia. E nada de terrível aconteceu. A uma altura de 200 metros, sem nenhuma segurança ou rede de proteção, Wallenda realizou dois percursos que interligavam três arranha-céus no centro da cidade. O primeiro foi feito em subida; no outro, ele tinha os olhos vendados.

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De olhos bem fechados: Nik Wallenda não vê a hora de chegar ao outro lado (Reprodução)

Para começar, o maluco caminhou do topo do edifício Marina Tower West (a 177 metros de altura) até o alto do prédio da agência Leo Burnett (201 metros), com uma inclinação de 19 graus. Comparando, foi como estar no 50º andar e escalar mais oito andares a pé – de uma maneira bem menos segura do que a escada de incêndio. O frio e a ventania não se mostraram problema para esse atleta destemido nascido na Flórida, que cumpriu o desafio em menos de sete minutos – dizem que ele até planejava tirar uma selfie no meio do caminho, mas desistiu por causa das condições climáticas. Assista ao vídeo abaixo e morra de agonia.

Para quem tem pavor de altura, acompanhar cada passo é uma verdadeira tortura. Eu fiquei com as palmas das mãos molhadas já nos primeiros 15 segundos. Mas Wallenda esteve tranquilo como se passeasse no parque com o cachorro. Conversou serenamente com o pai e a esposa utilizando um ponto eletrônico e teve a frieza de admirar o visual noturno e celebrar a aclamação do público lá embaixo. Em certo momento, transmitiu o mantra de sua vida aos espectadores que o assistiam: “Vocês podem não entender o que estou fazendo. Mas é para isso que eu nasci”. Lembrando que a 200 metros de altura, tudo o que Nik tinha era uma vara nas mãos para se equilibrar. E ele não vacilou em nenhum instante.

wilcoApós receber abraços da mulher e filhos, veio a segunda parte do desafio, realizada entre as duas torres do edifício Marina City (as mesmas que aparecem na capa do disco “Yankee Hotel Foxtrot” da banda Wilco). O trajeto era menor, mas dessa vez, Wallenda tinha os olhos vendados. O único recurso externo era a comunicação com o pai por meio de um megafone, que dava dicas de onde e como o filho devia pisar. Foi bem mais rápido, em 1 minuto e 15 segundos, mas pareceu uma eternidade.

O feito de Wallenda me lembrou outra loucura transmitida em tempo real recentemente: o salto em queda livre na estratosfera de Felix Baumgartner, em 2012. Você se lembra?

É impossível não pensar: e se uma dessas proezas desse errado e o sujeito morresse ao vivo e em cores para o mundo todo ver? Ainda que se utilize o recurso do delay, será que não deveria haver limites para o conteúdo que as redes de televisão transmitem em tempo real?

Nesses tempos de informação vasta, imediata e interativa, a curiosidade mórbida é mais do que nunca uma característica onipresente na sociedade. Fica bem claro que enquanto houver um corajoso (ou maluco) disposto a se arriscar por fama e adulação, haverá uma plateia disposta a conferir e aplaudir. Para os medrosos e cautelosos como eu, só resta assistir com um olho aberto e o outro fechado – e torcer para que a sorte continue acompanhando os deuses da televisão.


Barry Manilow lançou um disco de duetos – e todos os parceiros estão mortos
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Pablo Miyazawa

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Manilow não precisou evocar os espíritos para cantar com os ídolos mortos (Reprodução/Facebook)

Quer curtir musicalmente o Dia de Finados de um jeito tranquilo – e bem esquisito?

A dica é se arriscar no novo disco de Barry Manilow. Cantor, pianista, compositor que estourou nos anos 1970, ele é uma instituição da música popular “adulta” dos Estados Unidos. Entre alguns altos e baixos, continua em plena atividade após 50 anos de carreira, fazendo shows e lançando álbuns (ele tem 71 anos de vida, com a voz ainda em cima). Escute “Mandy” (que ganhou uma versão em português cantada por Marcelo Augusto, lembra dele?), “I Write the Songs”, “Can’t Smile Without You” e comprove que sim, você conhece alguns dos maiores sucessos de Manilow (provavelmente por causa de seus pais e tios).

Essa longevidade e crédito com as velhas gerações dá a Manilow a permissão de cometer certas bizarrices. E isso significa o disco “My Dream Duets”, lançado há uma semana. O título refere-se aos duetos que o cantor sonhava realizar. E por que não fazer isso do jeito mais difícil, ou seja, cantando com donos de vozes que já não estão mais entre nós?

É isso aí. Barry Manilow fez um disco inteiro só de parcerias vocais com cantores(as) que já morreram. Isso não é tão incomum assim – lembra dessa música aqui? –, mas deve ser a primeira vez que um artista faz um disco inteiro dessa forma. Obviamente, não são faixas inéditas. Ele pegou algumas de suas canções favoritas, extraiu e separou as vozes, refez os arranjos, inseriu a trilha de voz original e combinou a própria voz dele ao resultado. Em algumas faixas, ele harmoniza por cima da voz principal; em outras, muda letras, alterna versos, adiciona frases melódicas e até “conversa” com os parceiros fantasmas. Soa perturbador, ainda mais quando compreendemos o caráter sobrenatural desses encontros.

O resultado, seja dita a verdade, é cafona e de gosto duvidoso. Mas rende várias proezas ao cantor: uma, ele consegue nos fazer esquecer como soavam as versões originais desses clássicos. E dois, o disco é uma impressionante realização da tecnologia de áudio. Não soa como um karaokê. A interação entre a voz de crooner emocionado de Manilow às interpretações dos homenageados mortos é primorosa, tecnicamente falando (sem entrar no mérito de quão “modernas” as novas músicas soam). Dá até para imaginar Manilow cantando junto no estúdio, ou mesmo dividindo o palco com esses artistas, os olhos cheios de lágrimas, agitando as madeixas loiras.

Os parceiros do plano espiritual foram escolhidos a dedo: Whitney Houston, John Denver, Louis Armstrong, Sammy Davis Jr., Dusty Springfield e Marilyn Monroe, entre outros, em um total de 11 faixas. Confira abaixo a nova versão da eterna “What a Wonderful World”, de Louis Armstrong, e tente avaliar o que isso tudo significa. É mesmo um pouco esquisito ou estou exagerando?

Não quero dar uma de futurólogo pessimista, mas do jeito que anda a crise de originalidade na música, aposto que a onda vai pegar. Esse é apenas o começo.