Blog do Pablo Miyazawa

Há 50 anos, Sam Cooke pedia por mudanças. E elas ainda não aconteceram

Pablo Miyazawa

Sam_Cooke

Cooke compôs o verdadeiro hino dos direitos civis dos EUA, “A Change is Gonna Come” (Foto: Divulgação)

Há exatos 50 anos morria Sam Cooke.

O cantor norte-americano partiu em 11 de dezembro de 1964, aos 33 anos, em circunstâncias trágicas – foi baleado no peito durante uma briga com a gerente do hotel em que estava hospedado em Los Angeles. Ela foi declarada inocente, alegando ter agido em legitima defesa. A história jamais foi totalmente esclarecida. E a música perdeu um artista genial no auge de seu talento.

É uma pena que hoje em dia pouca gente se lembre de Sam Cooke. Mas escutar sua obra é um atestado de que ele se foi cedo demais. Com a voz aveludada, interpretações românticas (mas sem jamais ser vulgar) e um apreço por belas baladas, ele praticamente foi o criador do que chamamos de soul music – não foi coincidência ele ter começado a carreira como cantor gospel na adolescência. A música pop só se tornou sua vocação em 1956, com o sucesso “You Send Me”, composta por ele próprio. Aliás, Cooke escreveu a maioria das músicas que gravou.

A partir de então, colecionou hits na parada norte-americana – foram 30 músicas que chegaram ao Top 40, entre elas a já citada “You Send Me” e as eternas “Wonderful World” e “Cupid”. O último álbum dele foi lançado em março de 1964, e por pura ironia do destino, se chamava “Ain't That Good News”. Como se sabe, as notícias não foram nada boas nove meses depois. Mas o legado de Sam Cooke se estabeleceu e inspirou muitos artistas negros que brilharam mais tarde, de Marvin Gaye a Michael Jackson, de Stevie Wonder a Tupac Shakur, de Al Green a Ottis Redding (cuja morte, aliás, completou ontem 47 anos). O título de “Rei do Soul” lhe cai bem até hoje, assim como sua presença bem colocada em listas de “maiores cantores de todos os tempos”.

A música mais emblemática de Cooke, “A Change is Gonna Come”, é póstuma – foi lançada como single alguns dias após sua morte. A inspiração surgiu de um episódio constrangedor que o cantor experimentou em 1963, quando teve acesso negado a um hotel só para brancos. Após ouvir “Blowin' in the Wind”, de Bob Dylan, pela primeira vez, Cooke decidiu ele próprio escrever uma canção que discutisse o racismo e as evoluções necessárias que seu país deveria sofrer. Com um arranjo épico orquestrado, lindos versos de poesia simples e uma interpretação emocionante que beira o espiritual, “A Change is Gonna Come” se tornou uma espécie de hino dos direitos civis nos Estados Unidos. Quando Barack Obama foi eleito presidente em 2008, ele citou os versos de Cooke no discurso.

Nesse momento de grande efervescência nas discussões sobre desigualdade racial nos Estados Unidos (e por que não, no Brasil e no mundo), não será estranho se “A Change is Gonna Come” voltar a repercutir com toda força. Sem nunca deixar de soar atual, a canção não é apenas um apelo indignado que clama por mudanças; é também um brado cheio de esperança por dias melhores que ainda virão.

''There been times that I thought I couldn't last for long/
But now I think I'm able to carry on/
It's been a long, a long time coming,/
but I know a change gonna come, oh yes it will''