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Visite “Twin Peaks” enquanto ainda há tempo
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Pablo Miyazawa

twin peaks abertura Uma das melhores notícias das últimas semanas (pelo menos para mim) foi a volta da série “Twin Peaks”. O diretor David Lynch anunciou no Twitter que estaria se juntando ao roteirista Mark Frost para ressuscitar o programa que revolucionou a narrativa de ficção na televisão no início dos anos 1990. A terceira temporada está marcada para estrear em 2016 no canal Showtime, com nove episódios, exatos 25 anos após um desfecho repentino, sinistro e encharcado de explicações pendentes.

A placa não existe para valer – ela é uma pintura em um muro lateral do Cherry Cafe.

A placa não existe para valer – é só uma pintura em um muro lateral do Twede’s Cafe, em North Bend.   Fotos: Pablo Miyazawa/Arquivo Pessoal

A importância de “Twin Peaks” talvez não seja compreendida por quem não acompanhou o seriado na época em que foi exibido originalmente (a Globo transmitiu as duas temporadas aos domingos, após os Gols do Fantástico). Algo incomum para uma época pré-internet, o irresistível gancho da trama – “Quem matou Laura Palmer?“ – gerou uma cobertura considerável da mídia e criou uma verdadeira mania em torno dos personagens bizarros e da ambientação surrealista da fictícia Twin Peaks. Lynch conseguiu transportar o espírito de seus filmes com perfeição para a televisão, além de extrair do elenco as melhores performances de suas carreiras. É fato que nenhum ator conseguiu brilhar da mesma maneira após “Twin Peaks” – nem mesmo Kyle MacLachlan, perfeito como o caricato agente do FBI Dale Cooper, a síntese do mocinho tradicional com camadas obscuras embutidas.

Por muito tempo o culto a “Twin Peaks” ficou restrito à memória dos fãs antigos e aos tímidos lançamentos em DVD. Tudo mudou quando as duas temporadas apareceram disponíveis no Netflix, seguido do relançamento da versão em Bluray acompanhada de muito material inédito. A ideia da volta da série já era persistente na internet, e a empolgação dos antigos simpatizantes contagiou os novatos nas redes sociais. Os produtores devem ter concluído que, caso voltasse, “Twin Peaks” teria um bom público para apreciá-lo, formado não só por velhos devotos, mas por muitos fãs recentes.

Lembro de assistir a vários episódios na Globo em 1990 e não entender muita coisa. Sabia que aquilo parecia importante o bastante para eu me interessar, mas a condução toda particular de Lynch pouco facilitava. A combinação “thriller de mistério barra pesada com um pé no ocultismo” funcionava muito bem para qualquer moleque interessado em filmes de terror e detetive. E intrigava ainda mais saber que o público adulto não estava sacando muita coisa também. Ao que parece, a sensação de “que diabos está acontecendo?” fazia parte da experiência de se apreciar Lynch no conforto do lar. Revi tudo no ano passado (inclusive o telefilme “Os Últimos Dias de Laura Palmer”) e reafirmei na hora a minha condição de fã.

No começo desse ano, tirei férias e fui para a Costa Oeste dos Estados Unidos. O plano era visitar Portland e Seattle e procurar o que pudesse haver de interessante no caminho. Já estava lá quando me dei conta de que as cidades que serviram de cenário para “Twin Peaks” ficavam escondidas na mesma região.

Fachada do Twede's Cafe, uma homenagem de North Bend a “Twin Peaks”

Fachada do Twede’s Cafe, uma homenagem da cidade de North Bend aos fãs de “Twin Peaks”.

Com o carro alugado, saímos de Seattle em direção a North Bend, a 45 quilômetros de distância. O caminho é deslumbrante e silencioso, decorado por árvores imensas e montanhas nevadas ao fundo. Infelizmente (ou talvez felizmente), não existe uma cidade chamada Twin Peaks, mas North Bend não deixa o visitante esquecer que a série ganhou vida ali. Logo na entrada, o Twede’s Cafe premia o turista com um letreiro e o slogan “a casa da torta de cereja de Twin Peaks”. O restaurante está localizado no mesmo terreno onde antes havia o Double R Diner ficcional, mas todo reformado – o local original foi destruído em um incêndio. 

O “damn fine cup of coffee & slice of cherry pie”, a atração principal do cardápio do Twede's.

O “damn fine cup of coffee & a slice of cherry pie”, a atração principal do cardápio do Twede’s Cafe.

Por dentro, pode ser até um pouco decepcionante notar que o Twede’s em nada lembra o aconchegante diner onde o Agente Cooper costumava tomar sua xícara de café. Gentis, os donos do estabelecimento ao menos tentam atiçar os fãs enquanto capitalizam com a onda: há fotos da produção nas paredes próximas ao banheiro e a famosa dupla “damn fine cup of coffee & a slice of cherry pie” são as estrelas do cardápio de apelo gorduroso. Eles também vendem um pôster ilustrado que indica as outras localidades onde a série foi filmada na região. Hoje, são muitos os sites que se dedicam a mapear os arredores e tais pontos de interesse. Existe também um evento organizado anualmente em North Bend para reunir os fãs e promover atividades lúdicas ligadas ao universo “Twin Peaks”. 

As Snoqualme Falls, com o “The Great Northern Hotel” ao fundo.

As Snoqualmie Falls, com o “The Great Northern Hotel” (ou Salish Lodge & Spa) à esquerda.

North Bend ainda abriga a escola onde Laura Palmer, Audrey Horn e Donna Heyward estudavam. A fachada é quase irreconhecível, mas está lá. Mais interessante é pegar três quilômetros de uma estrada local para chegar a Snoqualmie. A cidade abriga as icônicas Snoqualmie Falls, constantes na sequência de abertura e nas cenas de ligação de “Twin Peaks”. O local recebe centenas de visitantes diariamente, mas dava para ver que quase ninguém estava ali por causa do carinho pelo seriado: para a maioria, aquela é apenas um obrigatório ponto turístico do estado de Washington. Talvez isso venha a mudar com o renascido falatório em torno do programa.

O saguão do hotel onde foi filmado grande parte de “Twin Peaks”.

O saguão do hotel onde foi filmada grande parte de “Twin Peaks” pouco conserva o clima da série.

Outra cereja do bolo se encontra no mesmo local. Construído em um ponto privilegiado da cachoeira está o The Great Northern Hotel (ou Salish Lodge & Spa na vida real), onde o Agente Cooper permaneceu hospedado durante 25 episódios. Não há uma única referência à série e a decoração moderna de hoje em nada lembra o estilo kitsch da versão original, mas uma rápida apreciada no saguão já pode proporcionar flashes de cenas clássicas. Para os fãs, quase não fica mais “Twin Peaks” do que isso.

Não é muita coisa, mas já é o bastante para valer um divertido passeio de algumas horas. Não dá para ter certeza se Lynch e Frost irão produzir a terceira temporada nos cenários originais, mas certamente eles pensarão a respeito. Enquanto não temos certeza do que veremos em 2016, vale a pena planejar um “tour Twin Peaks” em algum momento antes disso. É claro, se a cotação do dólar permitir.


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