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Há 20 anos a Sony lançava o PlayStation. E a “culpa” foi toda da Nintendo
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Pablo Miyazawa

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O PlayStation completa 20 anos de existência neste 3 de dezembro.

Eu mesmo não estava atento a essa data. Fui alertado por um repórter de um jornal, que me ligou pedindo uma opinião sobre o tema (e agradeço ao Gustavo Foster pela lembrança. Aqui está a reportagem dele para o “Zero Hora”). Para mim, a data certa da celebração de duas décadas seria em algum momento do ano que vem. Talvez porque o console, o primeiro fabricado pela Sony, tenha saído oficialmente no Ocidente somente no segundo semestre de 1995, e foi então que as coisas realmente começaram a mudar. De qualquer forma, 3 de dezembro de 1994 foi o dia em que as primeiras embalagens de PlayStation lotaram as prateleiras das lojas de eletrônicos e brinquedos no Japão.

É uma data marcante, porque nada mais foi como antes. Antes disso, o mercado de videogames era determinado pela disputa entre Nintendo e Sega, ambas japonesas e tradicionais fabricantes de jogos eletrônicos, que vinham brigando pelo público gamer há quase uma década – com o NES/Famicom e o Master System, respectivamente, depois com o Super Nintendo/Super Famicom e o Genesis/Mega Drive. Lembrando que a Sega ainda lançou o Saturn (também em 1994) e o Dreamcast (1998), para mais tarde encerrar sua carreira de fabricante de consoles.

Mas essa dinâmica mudou com a chegada do PlayStation. Ele marcou o início do fim da era dos cartuchos, mas mais do que isso. Os jogos deixavam de ter apenas duas dimensões para ganhar profundidade, gráficos animados, cutscenes e trilhas cinematográficas. Alguns dos principais parceiros da Nintendo – a Square e seus RPGs – abraçaram a causa da Sony e deixaram a Nintendo a ver navios. O Nintendo 64 saiu só em 1996, mas o estrago do PlayStation já estava feito. A Sony acabou se transformando em sinônimo de videogames mais rapidamente do que qualquer um poderia esperar.

E é irônico – para não dizer sensacional – que a Sony só tenha criado seu próprio console porque ficou magoada com a Nintendo. Essa história é impressionante e pouco comentada, mas determinou os rumos da indústria de uma maneira única.

Na metade dos anos 1980, a Nintendo firmou uma parceria com a Sony, então “apenas” uma poderosa fabricante de aparelhos eletrônicos e tecnologia. A ideia era que a empresa ajudasse a Nintendo a criar o chamado SNES-CD, um acessório para seus consoles com a capacidade de ler discos ópticos. Ao mesmo tempo em que desenvolvia o projeto, a Sony também tinha a intenção de produzir sua própria máquina de jogos, o “Play Station”, que além dos discos, também rodaria cartuchos de Super NES/SuperFamicom. Todo o projeto foi vislumbrado e comandado pelo habilidoso engenheiro Ken Kutaragi (que mais tarde ficou conhecido como “o pai do PlayStation”).

Só que as empresas nunca se entenderam bem em relação ao lado financeiro do negócio – resumindo, “quem ficará com os lucros?”. O contrato entre ambas não era claro e continha várias brechas. Após muito bate-boca nos bastidores e idas e vindas (a história é tão complexa que é impossível saber quem estava certo e quem estava errado), a Nintendo cancelou sua parte do acordo e foi fazer parceria com a Phillips (e como bem sabemos, isso não resultou em qualquer produto relevante). A parceria com a Sony, porém, rendeu um detalhe importante à arquitetura do Super Nintendo: o chip de som do console, criado também por Kutaragi.

As diferenças entre as empresas acabaram se resolvendo, mas não o suficiente para deixar a Sony satisfeita. A humilhação havia sido grande e o orgulho da fabricante ficou ferido (não se mexe com o orgulho de uma empresa japonesa e se sai impune). Mesmo contrariando as vontades de parte dos executivos da velha guarda da empresa, a Sony resolveu apostar na indústria dos videogames. Pegou o projeto do Play Station e investiu pesado no desenvolvimento. Um belo dia, revelou ao mundo que lançaria sua própria máquina de jogos independente. E no final de 1994, colocou no mercado japonês o Sony PlayStation (agora com uma palavra só). No ano seguinte, o produto desembarcou nos Estados Unidos e na Europa.

O resto, como dizem, é história. A Sony se tornou sinônimo de videogames para uma enorme parcela do novo público e jamais abandonou o papel de protagonista da indústria, mesmo com dificuldades financeiras causadas pelo alto custo de desenvolvimento de suas máquinas futuras. A Nintendo, por sua vez, amargou um baque do qual demorou a se recuperar – só voltou a ter grande sucesso com consoles quando se afastou completamente da briga, que agora além da Sony, contava também com a presença da Microsoft e o Xbox. O Wii (de 2006) foi uma volta às origens, e só recolocou a Nintendo novamente no topo das vendas porque ela já não competia mais de igual para igual com as rivais, tecnicamente falando: a empresa do Super Mario voltou a vencer pelas boas ideias e pelos personagens, e não pelo avanço tecnológico e os gráficos proporcionados por sua máquina.

A única certeza é a de que uma parceria consolidada entre Nintendo e Sony daria um rumo totalmente diferente à indústria dos games como hoje a conhecemos. Será que a Microsoft teria enfim entrado na jogada, ou será que outros fabricantes em atividade na época, como Sega, NEC e Atari, continuariam a ter papéis de destaque? Também é impossível não questionar: será que a Nintendo se arrependeu amargamente de ter rompido o acordo com a Sony?

De qualquer modo, é interessante constatar como uma indústria de games completamente diferente foi determinada a partir dos destroços de uma parceria esfacelada. O velho ditado diz que para algo novo surgir, é preciso que alguma coisa seja destruída antes. No caso dos consoles de videogames, foi exatamente isso o que aconteceu.


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