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Você precisa conhecer Portland, a cidade onde jovens vão para se aposentar
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Pablo Miyazawa

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Carrie Brownstein e Fred Armisen curtem a vida louca em Portland – ou Portlândia. (Divulgação)

Na próxima quinta, 8 de janeiro, estreia a quinta temporada da série “Portlandia”.

Ela ainda é inédita na TV brasileira, mas atualmente isso não faz diferença alguma. É fácil de assistir por meio de programas de streaming ou mesmo via download (ilegal, é verdade).

Provavelmente, é uma das melhores comédias em atividade da TV norte-americana. Só que é tão surreal e tão dependente de piadas internas que não é o tipo de produto que a agrada a qualquer telespectador. Está longe de ser uma sitcom glamurosa e “amigável” como “Friends” ou “How I Met Your Mother”. Também não é o tipo de comédia surrealista ao estilo “Parks & Recreation” e “Arrested Development”, com personagens fixos e uma trama persistente. Está mais para a sátira do absurdo do “Saturday Night Live”, ou ainda, para os vídeos independentes de humor que andam pipocando pelo YouTube. “Portlandia” basicamente é uma coletânea de esquetes bizarros com a cidade de Portland como pano de fundo. Na verdade, Portland é a principal protagonista do programa.

O slogan que a série concedeu à cidade define muito bem a vibração local: “A cidade onde os jovens vão para se aposentar”. O slogan “oficial” é diferente, ainda que complementar: “Keep Portland weird”, ou “mantenha Portland esquisita”. Somadas as duas frases, o resultado não poderia ser mais adequado. Portland é mesmo esquisita e diferente do que se entende tipicamente como uma cidade norte-americana. É relativamente silenciosa e tranquila, é apinhada de freaks de todas as espécies e cultiva uma vibe riponga-alternativa que vai do apreço por alimentos orgânicos ao desprezo por meios de transporte motorizados.

Portland também é a melhor cidade dos Estados Unidos para não se fazer nada com muita classe. São vários os adjetivos possíveis – a capital nacional das bicicletas, a capital das microcervejarias, a capital do food truck, a capital do donut decorado com tiras de bacon, a capital das lojas de discos de vinil, a capital da chuva, a cidade que parou nos anos 90. Parece até que o termo “hipster” foi criado para homenagear o personagem médio de Portland. Comer e beber bem é uma obsessão local, assim como a liberdade de expressão por meio de roupas, penteados e atitudes – passear de bike sem roupa é mais comum do que se imagina. Outro detalhe interessante é que o estado do Oregon, do qual Portland é a maior cidade, não cobra impostos de circulação de mercadorias. A taxa de desemprego é alta para os padrões do país, o que não impede muitos habitantes de grandes metrópoles se mudarem para lá com o objetivo de mudar de vida – ou de não fazer mais nada da vida.

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Carrie e Fred são Toni e Candace, as donas da Livraria Feminista de Portlândia. (Divulgação)

É nesse cenário fantástico que “Portlandia” circula e tira sua inspiração para historinhas que devem ter sido inspiradas pela obra do cineasta surrealista Luis Buñuel. Às vezes a série tenta manter os pés no chão para tirar sarro do estilo de vida local de um jeito inteligente e descolado. Mesmo assim, está muito mais para zoeira do que para crítica social. Na maioria das vezes a coisa descamba para o nonsense, e é aí que o programa brilha. Todos os personagens são interpretados por esses dois da foto acima: Carrie Brownstein, também conhecida como uma das guitarristas do extinto trio Sleater-Kinney (que acabou de voltar à atividade); e Fred Armisen, que por anos fez parte do elenco do “Saturday Night Live”. A química da dupla é perfeita, principalmente quando interpretam versões dementes deles mesmos. E quando criam personagens, muitos recorrentes, eles parecem se divertir muito com o processo.

Passei quatro dias em Portland no ano passado. Já assistia à série, mas a visita turística teve sabor de primeira vez. Admito que o lugar que conheci não tinha muito daquele absurdo colorido e histérico exibido em “Portlandia”. Na verdade parecia até normal demais, com um centro comercial agitado, muita gente de bicicleta (mas muitos carros nas ruas) e caras de terno e gravata transitando ao lado de mendigos, hippies, roqueiros e vítimas da moda. E, estranhamente, sem um único dia de chuva (lá chove em nove meses do ano). A vibração remete a de uma cidade pequena, ainda que isso esteja mudando aos poucos: o sucesso de “Portlandia” deu início a um incômodo processo de “gentrificação” da cidade.

Mas as semelhanças com “Portlandia” existem, e estão em tudo o que faz da Portland real “weird” – e é isso também o que a torna tão divertida e aconchegante. É o lugar perfeito para quem gosta apenas de passear sem pressa e sem obrigações turísticas. Dá vontade de subir em uma bicicleta e circular o dia inteiro pelas lojas de discos abarrotadas, cafés descolados, praças de food trucks, cervejarias artesanais, livrarias gigantescas, parques esvaziados e clubes de música ao vivo. Há tanto o que se ver e fazer que é até injusto dizer que quem vive ali não faz nada. E sim, aquele donut com bacon do Voodoo Doughnuts é algo grotesco – mas é realmente imperdível.

A ideia de ir para Portland para se aposentar? Ela até que faz sentido.


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