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Stephen King escreve para fazer você feliz – e a ele próprio também
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Pablo Miyazawa

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Stephen King em 2012: ele não dá mais ouvidos para os críticos. (Foto: AP Photo/Elise Amendola)

Quem aí ainda lê os livros de Stephen King?

Eu confesso que não leio tanto quanto gostaria. Aliás, li muito pouco em relação à enorme quantidade de livros que ele continua a produzir. O que é até uma contradição, porque eu o considero um dos meus escritores vivos favoritos. Mas meu enorme respeito a ele não está exatamente ligado ao estilo de escrita ou às histórias que ele inventa. Faz sentido?

Um dos mais prolíficos e lidos escritores das últimas quatro décadas, King lança uma média de mais de um livro por ano, sem contar os volumes de contos e crônicas. E mesmo que a categoria de suas histórias tenha lá seus altos e baixos, ninguém pode questionar a produtividade do sujeito – são 67 anos de idade, e pelo menos 50 deles dedicados a escrever. E voltando ao questionável fator qualidade, é bom lembrar que quase 60 longas-metragens baseados na obra dele já foram produzidos. Se as histórias de King fossem muito ruins, será que tantos se dariam ao trabalho de filmá-las?

RevivalNa semana que vem, ele lança “Revival”, 54º romance de sua carreira, que tem sido descrito como “uma versão da história de Frankenstein nos tempos modernos”. Para promover o livro, King deu uma longa entrevista para a revista Rolling Stone. É um fato raro, porque desde que sofreu um acidente automobilístico, em 1999, ele pouco falou com jornalistas ou se abriu sobre sua vida pessoal. Uma biografia foi lançada em 2010 (“Coração Assombrado”), mas sem a participação do biografado. O mais próximo que há de uma autobiografia de King é o indispensável “On Writing – A Memoir of the Craft” (2000), um delicioso guia sobre técnicas e a arte de escrever bem, e que deveria ser uma das bíblias de todo aprendiz de escritor que se preze. Ao que tudo indica, “On Writing” finalmente será lançado no Brasil em 2015, pela editora Suma de Letras.

Voltando à entrevista, King falou sobre tudo o que lhe cabe. Política, religião, deus e o diabo, o futuro dos livros de papel, a relação de dependência a drogas e álcool, sobre a arte de escrever e o medo de falhar. Assim como é quando escreve histórias fantásticas, ele não tem o menor problema em se expressar e ser claro, principalmente quando se trata de criticar quem o critica. Muitos autores que fazem sucesso com o público não são aclamados pela chamada “academia”, e King por muito tempo fez parte dessa leva. Hoje ele é até mais respeitado (e o sucesso com o público pouco cedeu), mas ainda guarda certo rancor de quem o desdenhou pelos temas que imperam em sua obra – o suspense e o terror.

King relembrou uma das alfinetadas que mais lhe afetou. “No começo da minha carreira, o [jornal] ‘The Village Voice’ fez uma caricatura minha que me dói até hoje se penso a respeito. Era eu comendo dinheiro, com uma cara enorme, inchada. Era um pressuposto de que se [um livro de] ficção estava vendendo muitas cópias, é porque era ruim. Se algo é acessível a muitas pessoas, então tem que ser algo burro, porque a maioria das pessoas são burras. E isso é elitista. Eu não aceito.”

O escritor norte-americano sabe que hoje não só é mais respeitado pelo conjunto de seu trabalho, como também foi o responsável por elevar o nível desse gênero da literatura. Mas Stephen King também sabe retribuir à altura a arrogância de alguns críticos que desmerecem seus livros por serem pop ou acessíveis demais. “Há alguns por aí que pegam a ignorância deles sobre cultura popular como um distintivo de bravura intelectual”, declarou.

Outro trecho que surpreende é quando King admite que não compreende o atual culto em torno do filme “O Iluminado”, baseado em seu livro de 1977. É hilária a parte em que ele descreve a reação que teve na primeira vez que assistiu ao adorado longa de Stanley Kubrick (e é de fazer um fanático pelo filme cair para trás).

“Eu não entendo [o culto ao filme]. Mas tem muitas coisas que não entendo. Mas obviamente as pessoas adoram, e elas não entendem o porquê de eu não [gostar também]. O livro é quente, o filme é frio. O livro termina com fogo, e o filme, no gelo. No livro, existe um arco em que você vê esse cara, Jack Torrance, tentando ser bom e aos poucos se tornando um maluco. E pelo que percebi, quando vi o filme, o Jack é maluco desde a primeira cena. Eu tinha que manter minha boca fechada na época. […] E o filme é tão misoginista, digo, a Wendy Torrance é apresentada como uma mocreia que só fica gritando. Mas esse sou eu, é como eu sou.” Ou seja, King provavelmente ficou incomodado com o fato de a versão cinematográfica não carregar a essência da obra original. Se ele tem amor pelo próprio trabalho, então essa visão é bastante justa.

Pessoalmente, acho interessante e inspirador perceber Stephen King como um escritor realizado e bem-sucedido que continua a trabalhar para agradar o seu leitor. E apesar de afirmar que é impulsionado a satisfazer o máximo de pessoas possível, ele garante que jamais se limitaria a fazer apenas o que o público espera dele. Sobre o tortuoso ofício de escrever, definiu de maneira perfeita: “Tem duas coisas sobre isso de que gosto: isso me faz feliz, e faz outras pessoas felizes.”

Goste você ou não das histórias de Stephen King, tem como não respeitar um cara desses?


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