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Bob Mould completa 54 anos. Sem ele não haveria Pixies, Nirvana e Green Day
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Pablo Miyazawa

Bob Mould se apresenta no Riot Fest, em Denver, em 21 de setembro último. Crédito: AP

Bob Mould se apresenta no Riot Fest, em Denver, em 21 de setembro último. Crédito: AP

Hoje, 16 de outubro, Bob Mould completa 54 anos.

Para quem sempre acompanhou a carreira dele, as próximas linhas poderão soar redundantes. Mould foi um dos fundadores do trio Hüsker Dü, que existiu de 1979 a 1988 e ajudou a abrir as portas do mainstream para o rock underground. Chame de punk, hardcore, pós-punk, power pop ou como quiser: o Hüsker Dü fez de tudo e influenciou quem estivesse por perto, e o frontman-guitarrista Mould era o seu enfurecido porta-voz (dividindo as funções de composição e vocais com o baterista ripongo Grant Hart). É mais do que certo decretar que se não fosse por eles, aquilo que um dia chamamos de “rock alternativo” soaria bastante diferente. O Pixies não seria daquele jeito, o Nirvana talvez nem existisse, o Green Day muito menos, e por aí vai.

Depois de uma dissolução amarga e mal-resolvida, Mould seguiu carreira solo e liderou outro trio de apelo mais adocicado, o Sugar. Se não experimentou tanta aclamação crítica quanto sua banda anterior, Mould se manteve em alta e gerou um dos discos fundamentais do rock noventista – “Copper Blue”. Dois álbuns e um EP depois, Mould seguiu experimentando, flertou com a música eletrônica e caiu em um ligeiro ostracismo. Chegou a desentender-se com o rock, mas fez as pazes em definitivo com o ótimo “The Silver Age” (2011). No mesmo ano, participou de uma faixa do Foo Fighters (“Rosemary”) e ganhou um show-tributo a sua carreira, com as participações de Ryan Adams e Dave Grohl. Aliás, foi Grohl quem declarou na ocasião, soando muito sincero: “Se não fosse por ele, eu não estaria fazendo música desse jeito, ou tocando guitarra como eu toco”. É justo.

Capa de “Beauty & Ruin”, disco mais recente de Bob Mould. Crédito: Reprodução

Capa de “Beauty & Ruin”, disco mais recente de Bob Mould. Crédito: Reprodução

Mould já havia se entendido como um roqueiro grisalho em “The Silver Age” e confirmou sua reconexão com o passado em “Beauty & Ruin”, desde já um dos melhores discos de 2014. Além de combinar com destreza os recursos musicais típicos de toda sua carreira – as guitarras ferozes, a velocidade do hardcore, a pureza acústica e as densas melodias –, ele finalmente se sente em paz com a época áurea do Hüsker Dü: na capa, uma foto de um Bob jovem, fumante e descabelado contrasta mesclada a uma imagem recente, sóbria, de óculos, touca e barba branca.

Do ponto de vista musical, a importância de Mould para o rock é inestimável. Mas existe um outro aspecto da vida pessoal dele que também merece atenção. No auge do sucesso do Sugar, em 1994, ele se assumiu homossexual em uma entrevista para a revista “Spin”. Apesar de aliviado, passou anos lidando com o tema de modo comedido, sem saber como agir e abordar a questão publicamente. Sentia-se desconectado da comunidade gay e pouco à vontade no papel de ícone. Somente em 2004, após o fim de um relacionamento estável de 14 anos, passou a se enxergar melhor resolvido e confortável na própria pele. Antes tarde do que nunca, Bob Mould finalmente está em paz. Essa história é contada sem meias palavras e com sinceridade tocante na biografia “See a Little Light: The Trail of Rage and Melody”, lançada em 2011 (inédita no Brasil).

“See a LIttle LIght”, a biografia de Mould, ainda está inédita no Brasil. Crédito: Reprodução

“See a LIttle LIght”, a biografia de Mould, ainda está inédita no Brasil. Crédito: Reprodução

Escrito em parceria com o jornalista Michael Azerrad, o livro percorre a infância brilhante e a adolescência confusa de Mould, enquanto oferece detalhes preciosos sobre a cena do hardcore norte-americano e a extenuante vida de uma banda na estrada. Mas é quando mergulha na autocritíca, já na meia idade, que a narrativa realmente comove: “Tive muita tristeza e arrependimento por não ter me assumido antes – minha vida teria sido tão diferente. Mas ficava tão preocupado sobre como assimilariam o meu trabalho que eu não considerava o impacto que teria nas pessoas por ser um roqueiro gay assumido”. Um personagem raro em um universo tão machista como o do rock de guitarras, Bob Mould talvez nunca irá obter a atenção que merece pelos tantos serviços prestados à música. Mas ele merece ser aplaudido ainda mais pela bravura de abrir o coração e dividir suas incertezas e convicções com o mundo.


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