Blog do Pablo Miyazawa

Assistimos a “Chaves” e “Chapolin” com culpa, mas para rir de nós mesmos

Pablo Miyazawa

Nenhum programa de televisão no Brasil resume melhor a expressão “guilty pleasure” (prazer secreto) do que “Chaves”. E “Chapolin Colorado”. Porque, no fundo, ambos são a mesma coisa: mesmo elenco, mesmas piadas, mesmos cenários, mesmo criador: Roberto Gómes Bolaños, o “Chespirito”, ator mexicano que morreu hoje, aos 85 anos.

Toda criança brasileira que nasceu após a metade dos anos 1970 e assistiu à TV na infância teve contato com “Chaves” e “Chapolin”, nem que só um pouquinho ou por acidente. Desde 1984, ele foi quase onipresente na programação do SBT. Os horários mudam, mas ambos programas continuam na grade da emissora, salvo algumas interrupções (como ocorreu em 2013). Silvio Santos, sábio, sempre enxergou no produto a sua mina de ouro mais durável. Ainda hoje, “Chaves” conquista uma audiência impressionante no horário das 18h30.

Para o “Patrão”, “Chaves” sempre foi o coringa para salvar a emissora em situações críticas. Mas para o público, o seriado representava aquele alívio cômico inocente e extravasador para todas as horas. Nenhum programa do canal ficou tanto tempo no ar dependendo apenas de infinitas reprises. Poucos episódios inéditos surgiram com o passar dos anos, mas a impressão é a de que sempre assistíamos aos mesmos de sempre. “Chaves” dura pouco e não demora a se repetir. E é por isso mesmo que todo mundo acha graça (mesmo que não admita).

Estamos aqui lamentando a morte de Bolaños nas redes sociais porque não queríamos que o Chaves sofresse. Coitado, ele sempre teve uma vida bem complicada, dormindo dentro de um barril, apanhando por falar bobagens, alimentando-se de sanduíche de presunto e vivendo de esmolas e da bondade dos vizinhos. Bolaños já estava doente há tempos e não produzia material novo desses personagens desde os anos 1990. A maioria do que assistimos foi produzido ao longo da década de 1970. E, mesmo assim, é como se o criador continuasse lá em atividade. Assistimos –e rimos– daqueles episódios toscos como se tivessem sido filmados ontem.

É interessante essas sensações causadas por “Chaves” e “Chapolin”. Eles nos fazem voltar no tempo. Cada episódio traz uma sensação nostálgica indiscutível, e por motivos diferentes para cada pessoa. Em princípio, é um retorno ao passado porque tem aparência e cheiro de coisa velha, aquelas piadas gastas, as risadas enlatadas, aqueles cenários e figurinos toscos, a qualidade já sofrida das imagens e do áudio. Mas também é assistir a qualquer episódio e se lembrar de momentos da infância, quando nossas únicas preocupações eram a lição de casa e acordar cedo para fazer prova no dia seguinte. Bons tempos que não voltam mais. E cada novo contato com “Chaves” e “Chapolin” continua a representar um sopro de nostalgia a nos balançar os cabelos. Tente assistir sem encontrar alguma lembrança, ou sem dar uma risada que seja – ainda que por achar tudo muito ruim.

Fico pensando se tal fenômeno poderia ter ocorrido com uma série nacional, como “Os Trapalhões”, por exemplo. A Globo jamais apostou na longevidade e não investiu na eternização dos episódios antigos da turma de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Pelo menos não da mesma forma que Silvio Santos, que explorou “Chaves” até a última gota. É importante notar que o apelo persistente dessas séries não ocorrem só porque são transmitidas há 30 anos. A “culpa” é dos valores humorísticos ali retratados, eternos, universais e que felizmente não saem de moda.

Cada episódio traz um pacote humorístico completo feito para agradar a todos, sem restrições: a graça circense da piada física, o estilo pastelão dos palhaços clássicos (com direito a tapas na cara e croques na cabeça), as brincadeiras estúpidas de trocadilhos que todo mundo já fez no meio de uma aula de matemática. Quem se identifica com aqueles personagens é porque enxerga neles seres humanos verossímeis e autênticos. Era como se aquelas figuras absurdas existissem na vida real, na vizinhança, nas ruas, no pátio da escola. E isso é o que há de mais encantador no surrealismo narrativo criado por Bolaños: ele soube enxergar e resumir o melhor e o pior do comportamento humano em suas criações.

Nunca fui fã devoto de “Chaves” e “Chapolin”, admito. Quando a mania começou, eu já me considerava em outra. Só assistia sem querer, quando ia almoçar na casa dos amigos após a aula. Preferia desenhos animados e a “Sessão Comédia” da Globo. Mas era impossível ver até o fim sem absorver as piadas, os bordões e toda aquela mitologia esquisita. E assim foi com o passar dos anos. Hoje, compreendo a importância. Ainda mais quando percebi que a minha geração se identifica mais com o mexicano “Chaves” do que com os brasileiríssimos “Trapalhões”. Tem que haver algum mérito nisso.

Roberto Bolaños pode ter partido, mas Chaves e Chapolin jamais sairão de moda. Continuarão vivendo na TV, na internet, nas ruas, nas brincadeiras no fundo da classe. Permanecerão moleques para sempre.