Blog do Pablo Miyazawa

“Whiplash” é uma chicotada que fará você perder a vontade de ser músico

Pablo Miyazawa

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Andrew (Miles Teller) espanca e é espancado por Fletcher (J.K. Simmons). Foto: Divulgação

“Whiplash”, do diretor novato Damien Chazelle, foi indicado a cinco prêmios Oscar, incluindo Melhor Filme. Não vai levar esse (está entre “Boyhood”, “Birdman” e, correndo por fora, “O Grande Hotel Budapeste”). Mas pode muito bem abocanhar o de Melhor Roteiro Adaptado (do próprio Chazelle, que não foi indicado a Melhor Diretor). Já o de troféu de Melhor Ator Coadjuvante para J.K. Simmons é praticamente uma barbada.

Você deve conhecê-lo como o J.J.Jameson da primeira trilogia “Homem-Aranha”. O público norte-americano o conhece melhor ainda como o garoto-propaganda de uma companhia de seguros, a Farmers Insurance. De qualquer maneira, Simmons é um ator performático e enérgico, que parece sempre desempenhar o papel do homem durão que lá no fundo tem um coração mole. Não é o caso do Terence Fletcher que ele criou em “Whiplash” – pelo menos a parte do coração mole.

Miles Teller (de “Divergente”) interpreta o protagonista, Andrew, um estudante de música antissocial e obcecado pela ideia de se tornar o maior baterista de jazz do mundo. Em filmes que giram em torno de músicos e suas performances, é normal ver atores se esforçando para fingir que dominam os instrumentos. Não é o caso de Teller, que realmente toca bateria desde os 15 anos. O detalhe é importante e sem dúvidas ajuda a trazer mais autenticidade ao personagem.

Fletcher é professor em um conservatório e enxerga algum talento em Andrew. Para levar o rapaz a um novo patamar técnico, o mestre dá início a uma sessão de assédio moral difícil de se imaginar na vida real. Quem já sofreu com abusos de autoridade certamente vai se identificar: é uma verdadeira tortura psicológica, com direito a gritos, insultos gratuitos, humilhações públicas, cadeiras arremessadas e tapas na cara. Fletcher não deixa Andrew em paz, e fica difícil dizer se faz isso por prazer sádico ou se realmente acha que o bullying ajudará o garoto a chegar longe. É deprimente de se ver, mas é impossível tirar os olhos. Não dá para revelar mais sem estragar a história, mas basta dizer que as porradas que Andrew leva de Fletcher acabam gerando efeitos diversos e consequências tragicômicas. A propósito, “Whiplash” não é só o nome de uma música que toca constantemente no filme – o “chicote” em questão representa também a escravidão a que o mestre submete o aluno.

Na parte musical, o filme capricha… nas imprecisões técnicas. Críticos reclamaram do modo equivocado e competitivo com que “Whiplash” apresenta o jazz, e também a maneira agressiva e quase autopunitiva com que Andrew pratica a bateria, como se o fato de sangrar tocando o fizesse ser um músico melhor (ele também jamais utiliza um metrônomo em seus treinos, uma ousadia que um estudante dedicado jamais faria). Também há incongruências históricas no roteiro, como o caso (relatado no filme) em que o mítico saxofonista Charlie “Bird” Parker quase foi golpeado na cabeça por um prato arremessado pelo baterista Jo Jones (na verdade, o objeto acertou-lhe o pé, e nem foi de modo tão agressivo assim).

Também é questionável o fato de o ídolo de Andrew no filme ser o controverso jazzista Buddy Rich, conhecido pelo temperamento difícil e pela maneira animalesca com que tirava sons do instrumento. Não por coincidência, Rich chegou a participar do programa dos Muppets e até participou de um duelo de bateria com o Animal.

Fletcher maltrata Andrew para que ele supostamente se torne um músico melhor. Na prática, porém, não funciona. O que o baterista menos faz a longo do filme é tocar música. Ele maltrata a bateria até as mãos sangrarem, com um empenho tão mecânico que extingue qualquer lampejo de feeling. Andrew não interpreta as canções, mas as reproduz amargamente, carregado de tensão, sem esboçar nenhum prazer. A exceção só se dá no momento em que ele se permite improvisar – mas até ali o caminho foi longo e dolorido. Essa é a lição mais importantes que “Whiplash” oferece aos músicos e pretendentes: sem prazer e diversão, sobra sofrimento. E é aí que a música perde o propósito.