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O Weezer quer retornar à boa vida de 1994. Mas o passado não tem mais volta
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Pablo Miyazawa

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Weezer 2014: Rivers Cuomo, Brian Bell, Scott Shriner e Pat Wilson (Foto: Kevin Winter/Getty Images)

Não há meio termo com o atual Weezer. Ou se ama, ou se odeia.

Com um disco novo lançado há menos de um mês, “Everything Will Be Alright in the End”, o nono da banda, produzido por Rick Ocasek, o Weezer propôs uma volta aos bons tempos. A proposta está descrita na letra do primeiro single, “Back to the Shack” (ouça aqui), na qual o vocalista Rivers Cuomo enumera o que não tem dado certo nas investidas recentes do grupo. A troca de instrumentos ao vivo – o baterista Pat Wilson assumia a guitarra, enquanto Cuomo se tornava apenas o cantor –, os flertes bizarros com produtores de música dançante, o afastamento do formato do rock tradicional e a alienação dos fãs antigos, que não conseguiam mais reconhecer a banda que aprenderam a amar nos anos 1990. Tudo isso em uma faixa de três minutos e que de longe é a mais pegajosa do novo álbum.

Outro verso que chama atenção em “Back to the Shack” é este: “Kick in the door, more hardcore / Rockin out like it’s ’94”. Ou seja, o Weezer quer retornar para “a cabana” onde estão os fãs antigos que se apaixonaram pela banda no primeiro disco, o “Blue Album” (1994). Só que se é uma promessa ou apenas uma intenção, não fica muito claro na primeira ouvida. “Everything Will Be Alright…” não engrena de cara e soa esquisito no contexto geral. Está claro que não é o Weezer da primeira fase que está ali. O senso geral pode remeter ao “Green Album” (2001), que a banda lançou após um hiato causado pelo fracasso de “Pinkerton” (1996), hoje o disco mais amado pelos seguidores devotos do Weezer. Certamente não soa tão superproduzido e inadequado como a maioria das faixas dos recentes “Raditude” (2009) e “Hurley” (2010). Talvez esteja no meio termo disso tudo, algo que lembra os razoáveis “Maladroit” (2002) e “Make Believe” (2005).

Há muitas teorias de fãs e jornalistas que explicam o porquê do Weezer dos primeiros anos ter se tornado algo tão diferente com a virada do século. Eu particularmente gosto da ideia que reivindica a real importância de Matt Sharp, o baixista que deixou a banda em 1998.

Sempre enxerguei Sharp como um integrante subestimado do Weezer. O potencial dele pôde ser provado nos vários ótimos discos que fez com seu projeto paralelo (hoje titular), o The Rentals. Mesmo esporádico e variando integrantes, o Rentals há quase 20 anos mantém uma identidade musical bem definida, combinando melodias delicadas (cantadas por Sharp e cantoras convidadas), instrumentos alternativos (violino, viola, teclado moog) e guitarra e bateria pesadas. O disco mais recente, “Lost in Alphaville”, já é um dos meus favoritos de 2014.

Infelizmente, não é possível provar que Sharp deixou uma marca musical tão profunda no Weezer apenas escutando os dois discos dos quais ele participou. Uma vez que as faixas eram compostas principalmente por Cuomo, pouco sobrava espaço para o baixista emplacar ideias prontas. Ele se fez ouvir principalmente nos backing vocals, agudos e dissonantes, que fazem a cobertura perfeita para o tom quase desafinado de Cuomo. Os discos sem Sharp sentem falta dessa harmonização especial que tão bem funcionou na primeira fase, mas não é só isso. Cuomo deve ter sentido a falta de um parceiro criativo como Sharp, ainda que a composição continuasse a cargo do vocalista. A teoria é a de que Sharp funcionaria como uma espécie de “ombudsman” de Cuomo, conforme este analista suspeita.

Sharp seria o ” olho crítico“ que conteria os impulsos mais pop/farofeiros de Rivers Cuomo. Ele, por sua vez, contaria fortemente com a opinião musical de Sharp, um músico versado em melodias e com uma tendência de composição mais lírica e harmônica, a respeito do caminho tomado pelas canções. Algumas já existiam antes do baixista entrar no grupo (“My Name is Jonas”, “The World Has Turned and Left me Here”), mas é indiscutível o papel exercido por ele em faixas de apelo agridoce como “Say it Ain’t So”. Sharp provaria de vez essa capacidade nas faixas que escreveu para o Rentals, que fundou ainda durante a permanência no Weezer.

É difícil para os nostálgicos não esperar do Weezer a mesma melancolia e o espírito indie dos primeiros discos (mesmo que tenham sido lançados por uma grande gravadora). O fato é que Rivers Cuomo nunca mais alcançou proeza semelhante às que realizou naqueles dois trabalhos. Aquelas músicas traziam características comuns, ainda que tão diferentes entre si. A maioria traz alternâncias entre acordes maiores e menores, que resultam em uma sonoridade mais obscura e emotiva, menos “animada”, principalmente no que diz respeito às melodias vocais. Os temas daquelas faixas também correspondiam a certo estado de espírito pós-adolescente beirando o jovem-adulto, confessional e menos preocupado com opiniões alheias.

As faixas do primeiro disco, escritas quando Cuomo tinha por volta de 21 anos, falavam sobre inadequação (“The World Has Turned and Left me Here”, “Undone”), nostalgia (“Buddy Holly”), problemas domésticos (“Say it Ain’t So”) e paixões adolescentes (“No One Else”). Já as de “Pinkerton”, escritas após o sucesso repentino, tentavam lidar com a fama (“Tired of Sex”, “The Good Life”) e relacionamentos (“Across the Sea”, “No Other One”, “Falling for You”), com apelo emocional elevado e incrementadas por arranjos complicados, virtuosismo, produção suja e uma nuvem nublada por cima dos vocais. Era um álbum mais depressivo, mas musicalmente superior. Só não fez tanto sucesso como o anterior.

Cuomo jamais se abriu tanto quanto em “Pinkerton”. As feridas estão expostas e ele canta de coração aberto sobre temas que seriam considerados reveladores demais, caso ele tivesse uma auto-percepção mais aguçada. Como o disco não foi tão bem recebido na época, o líder se viu envergonhado pelo exagero de sua entrega.  Entrou em crise criativa e a banda só voltou a gravar cinco anos depois. No meio do caminho, Sharp deixou o grupo (ou foi tirado? Isso nunca ficou claro). Quando retomou o Weezer, com a ideia de rejeição ainda pesando, Cuomo passou a filtrar os sentimentos que revelava descuidadamente. Resolveu se reinventar como compositor, e isso incluiu trancar os sentimentos embaraçosos e agir mais como um narrador das histórias alheias. Aproveitou para resistir aos acordes menores e a utilizá-los com parcimônia.

Não que fosse possível imaginar esse novo direcionamento. “Weezer” (2001), ou “Álbum Verde”, também produzido pelo mesmo Rick Ocasek, talvez seja o disco com menos personalidade do grupo. As tentativas de emular a vibração do primeiro sucesso – o conceito da cor da capa, o título, o produtor, a quantidade de faixas –, mostram que Cuomo ainda não estava certo sobre como sua nova persona musical deveria se portar. E os outros integrantes não se arriscaram a interferir no cérebro da banda. Músicas diretas como “Island in the Sun”, “Hash Pipe”, “Don’t Let Go”, todas pop até a medula, soavam como um outro Weezer, menos tímido e deprimido, mas ainda pisando em ovos, sem muita certeza de estar fazendo a coisa certa. E se não era a coisa certa, uma verdade ecoava: já não era a mesma banda.

Não dá para afirmar que o Weezer “feliz” do século XXI é pior do que o dos anos 1990. É apenas diferente. Não é tão raro Cuomo acertar na medida do power-pop melancólico, principalmente quando se volta para si mesmo e é nostálgico (“Memories”, de “Hurley”, é um bom exemplo da essência daquele velho Weezer combinada ao estilo atual). Mas ele se vê mais à vontade cantando sobre histórias inventadas do que abrindo o próprio coração. Ou quando o faz, ri de si próprio e não se leva a sério (como na esdrúxula “Pork and Beans”, do “Album Vermelho” (2008), ou mesmo em “Memories” e “Back to the Shack”). Talvez o anticlimax pós-“Pinkerton” tenha apenas catalizado a busca por esse caminho mais alegre, conformado e confortável com sua faceta pop. Ele aconteceria de qualquer maneira. E muitas faixas do novo disco comprovam essa incansável busca por aceitação, como “Ain’t Got Nobody”, “Go Away” e “Lonely Girl”, interessantes e até pegajosas, porém facilmente esquecíveis.

“Everything Will Be Alright in the End” tem uma proposta de volta às origens. Mas disco após disco, o Weezer mais parece tentar nos provar exatamente o contrário – que o passado ficou para trás e não tem mais volta. E isso só acontece porque todos somos pessoas diferentes no tempo presente. Rivers Cuomo cresceu, virou adulto, formou família, teve filhos e atravessou a crise da meia idade aos trancos e barrancos. Ele não poderia cantar e reclamar como um universitário rejeitado pelo resto da vida. Se hoje é outra pessoa, os antigos fãs também o são. E aqueles que conseguem compreenderam o Weezer de hoje é porque também aceitaram essa nova realidade.


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