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Por que o chefão da Apple sair do armário é relevante para a cultura pop
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Pablo Miyazawa

Tim Cook

Tim Cook, o CEO da Apple, em evento na Califórnia em 27 de outubro. (Foto: Reuters/Lucy Nicholson)

Tim Cook, o principal executivo da Apple, revelou em uma carta aberta que é gay.

O CEO da gigante norte-americana de tecnologia escreveu um artigo publicado hoje no site “Business Week”, no qual se declara “orgulhoso de ser gay” e explica os motivos de comentar publicamente sua orientação sexual. O artigo está aqui e diversas traduções devem aparecer em breve, mas vou me limitar a destacar um parágrafo em específico:

“Eu não me considero um ativista, mas percebo o quanto tenho me beneficiado do sacrifício de outros. Então se escutar que o CEO da Apple é gay pode ajudar alguém que esteja lutando para lidar com quem ele ou ela é, ou trazer conforto para alguém que se sinta sozinho, ou inspirar pessoas a insistirem em sua igualdade, então é válida essa troca por minha própria privacidade.”

Você provavelmente não se lembra de muitos estadistas ou políticos saindo do armário. Essa atitude corajosa e ainda considerada tabu normalmente está relacionada a indivíduos notórios ligados às artes – especialmente atores/atrizes e músicos(as) – e aos esportes. Você dificilmente verá um deputado ou um empresário relevante se assumindo gay após ter se estabelecido como pessoa pública, talvez porque eles sintam que tenham mais a perder do que a ganhar com a revelação. Nas chamadas altas instâncias da sociedade, poder e dinheiro são aspectos cruciais no que diz respeito a alguém querer levantar bandeiras e abrir o jogo em relação à questão da sexualidade. Mas quando se trata de um artista que se assume homossexual (vide os casos de Ellen DeGeneres, Neil Patrick Harris, Ellen Page, Daniela Mercury, Ricky Martin, Rob Halford, Bob Mould, entre tantos outros), parece que existe uma melhor aceitação social do fato. Afinal, é implicitamente esperado que o artista desafie os padrões preconceituosos vigentes.

Voltando a Tim Cook. Ao lado do Google, a Apple hoje é a maior empresa de tecnologia do mundo. Mas o Google é uma ferramenta e uma instituição. A Apple é algo diferente disso: ela fabrica objetos de consumo que existem para caracterizar indivíduos no contexto social. Pessoas compram iPhones, iPads, iPods e MacBooks não apenas porque são máquinas úteis e eficientes, mas também porque são cool e representam certo status social. Essa sempre foi uma das prerrogativas da empresa fundada por Steve Jobs nos anos 1970.

Jobs morreu há três anos e teve como objetivo de vida que o consumidor expressasse sua personalidade por meio das invenções e soluções vendidas pela Apple. Se conseguiu esse intento ou não, ou se essa meta empresarial é positiva, são outras conversas. Mas é inegável que hoje a Apple é mais do que mera fabricante de eletrônicos – é também um personagem ativo e relevante da cultura pop mundial. Seja renovando a maneira como compramos e escutamos música (com o iPod e o iTunes), seja influenciando nossa relação com a tecnologia e a sociedade (com o iPhone e suas variáveis), ou até investindo no lançamento do novo disco do U2, a Apple foi e ainda é parte indissociável dessa estrutura.

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Cook e o U2, durante o lançamento de “Songs of Innocence”. (Foto: Justin Sullivan/Getty Images/AFP

E é justamente porque a Apple é tudo isso que a declaração de Tim Cook não soa completamente chocante. Do ponto de vista empresarial, é um movimento sim, bastante ousado. Como chefão da companhia mais lucrativa da atualidade, ele tem um papel de destaque no mundo empresarial e financeiro, o que faz as palavras dele ressoarem com um impacto considerável. É uma atitude audaciosa porque não é possível medir as consequências negativas dela. Será que isso influenciará na maneira como a Apple é avaliada no lado do business? Ou pior, haverá algum tipo de boicote? (Por mais horrível que seja imaginar que ainda seja possível, sim, a possibilidade existe.) Outra questão certamente surgirá: será que Steve Jobs teria feito o mesmo? Ou, será que isso ocorreria se ele estivesse vivo?

Mas como deixa claro no texto, Cook revelou motivações pessoais bastante justas. Como comandante de uma empresa importante como a Apple, ele compreende que possui uma função no contexto atual da sociedade. Assim, é louvável que utilize esse apelo para levantar uma discussão positiva sobre um tabu, além de encorajar a diminuição do preconceito. E é possível até que a atitude dele incentive outras personalidades da mesma categoria a fazerem algo semelhante. Quanto mais se falar a respeito, mais compreensão e tolerância surgirão.

Ainda que as consequências sejam imprevisíveis, são claras as intenções positivas do corajoso passo de Cook. Mas nas entrelinhas, o movimento dele também pode ser interpretado de outro modo: como uma intenção de marketing mais calculada, ainda que também justa e bastante louvável. Não foi só um executivo do topo da cadeia alimentar que se “abriu” ao mundo empresarial; Tim Cook está também reforçando o status atual da Apple de empresa mais pop e inovadora do planeta.

E é por isso que, ao lançar mão da própria privacidade, o executivo desempenhou o mesmo papel de um “artista” (com aspas reforçadas) que representa uma voz importante dentro de uma classe de criadores e produtores culturais da qual a empresa da maçã é integrante. Mesmo não tendo a mesma força de antes, a Apple ainda é valorizada como a empresa mais moderna e revolucionária do mundo. No papel de CEO e principal porta-voz, Cook executa um ato ousado para que ela continue sendo considerada assim.

Se essa também foi uma das intenções de Tim Cook, a atitude é igualmente digna de aplausos. Que ela possa contribuir para um mundo bem menos preconceituoso e muito mais tolerante.


Dave Grohl é provavelmente o cara mais legal do rock – goste você ou não
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Pablo Miyazawa

davegrohl Getty

Para Dave Grohl, a vida está sempre jóia. Foto: Frederick M. Brown/Getty Images

Ontem o Foo Fighters apresentou uma música nova.

A faixa “Something From Nothing” é uma homenagem a Chicago, uma das oito cidades celebradas no disco-série-experimento “Sonic Highways”. Basicamente, Dave Grohl e seus comparsas criaram um lançamento multimídia robusto que deveria ensinar algo aos marqueteiros do U2 sobre como fazer barulho em cima de um novo disco. O single foi lançado oficialmente nesta sexta-feira, enquanto o disco completo chega às lojas em 10 de novembro.

Só que “Sonic Highways” não é só um álbum. O Foo Fighters escolheu cidades marcantes para a música norte-americana e gastou uma semana em cada uma. Instalou-se em um estúdio para ensaiar trechos de música e fazer jams. Entre as sessões, Grohl visitou e entrevistou figuras importantes da música local. O material em vídeo se transformou em uma série de oito episódios que começa a ser exibida hoje nos EUA, no canal HBO. No Brasil, “Sonic Highways” será exibida pelo canal pago BIS a partir de 30 de novembro.

As entrevistas de Grohl também inspiraram anotações que se tornavam versos para a música que era ensaiada. O próprio vocalista organizou e escreveu as letras e as gravou na hora com a banda. E isso se repetiu por mais sete semanas. “Sonic Highways” tem oito faixas, escritas e finalizadas cada uma em Chicago, Washington D.C., Nashville, Nova Orleans, Los Angeles, Austin, Seattle e Nova York.

Além disso, ao longo dessa semana, a banda promoveu a empreitada em cinco apresentações seguidas no programa de David Letterman.

Musicalmente, “Something For Nothing” é aquele Foo Fighters de sempre: introdução silenciosa, múltiplos riffs, guitarras altas e independentes, bateria pesada em meio-tempo e Grohl aproveitando para soltar a garganta como bem sabe fazer. Dada a natureza experimental de todo processo de composição do álbum, acho difícil encontrarmos entre as outras faixas algum hit persistente como “Everlong” ou “Learn to Fly”. Mas isso não seria novidade, visto que o Foo Fighters segue uma incômoda tradição de fazer discos irregulares, com metade de canções muito boas e a outra metade não tão inspirada (a exceção é o perfeito “The Colour and the Shape”, de 1997).

Do ponto de vista mercadológico, entretanto, o Foo Fighters dificilmente erra. O interessante é notar que um plano de lançamento tão bem calculado e ambicioso poderia impulsionar um efeito contrário: o de muita gente ficar de bode do Foo Fighters antes mesmo de o novo disco sair. Conheço muitos fãs incondicionais de Dave Grohl, mas me impressiona como tem gente que ouve rock e não simpatiza com o sujeito – e, consequentemente, com a atual banda dele. Seriam problemas o bom humor e o otimismo que ele exibe publicamente? Ou a sua onipresença constante na cena roqueira?

Capa completa de “Sonic HIghways”, previsto para 10 de novembro. (Reprodução)

Por outro lado, não há quem não respeite a trajetória dele como baterista do Nirvana. Concordo que são trabalhos diferentes e circunstancialmente únicos, e que ninguém é obrigado a achar o Foo Fighters maravilhoso só porque é a banda do sujeito que gravou o “Nevermind”. Mas creio que desde que recomeçou a carreira após a morte de Kurt Cobain, Grohl sempre trabalhou duro, foi eficiente e fez por merecer os muitos fãs que tem – além do título de “cara mais legal do rock”.

Sou daqueles que respeita e gosta do Foo Fighters, mas que prefere Dave Grohl na bateria. De qualquer forma, o considero um artista diferenciado e verdadeiro no que diz respeito ao esforço com que vende seu peixe. É um cara devoto à música e que ama o que faz, um guitarrista competente, um baterista excelente e o dono de uma das vozes mais marcantes do rock nos últimos 15 anos. Respeita seus mestres e se orgulha de compartilhar o palco com eles. Se Grohl é o grande “arroz de festa” do rock, é porque fez por merecer tocar com Paul McCartney, Jimmy Page, Robert Plant, Ozzy Osbourne, Tony Iommi e Bob Mould, só citando alguns.

Capa da “Rolling Stone Brasil” com Dave Grohl, de março de 2012. (Reprodução)

Capa da “Rolling Stone Brasil” com Dave Grohl, de março de 2012. (Reprodução)

Comprovei pessoalmente essa mítica simpatia quando o Foo Fighters foi a atração principal do festival Lollapalooza, em 2012. Eu havia entrevistado Grohl por telefone um mês antes, para a matéria de capa da “Rolling Stone Brasil”. Os 15 minutos programados se tornaram 30 apenas porque ele quis contribuir mais para o material. Foi simpático desde a primeira saudação e solícito durante todo o tempo. Bem preparado, rendeu frases fortes e não fugiu dos temas, falando inclusive sobre o Nirvana (que supostamente era um tema proibido da conversa). A revista vendeu bem, apesar da imagem da capa – Grohl oferecendo gentilmente o dedo do meio ao leitor, em uma foto não tão recente.

Em 7 de abril de 2012, dia do show, os produtores do festival avisaram que a banda me receberia. Às 19h, fui levado para a tenda atrás do palco onde eles atendiam executivos de gravadora (e suas famílias). Era a tradicional cerimônia de “meet and greet” a que os headliners em turnê mundial são obrigados a enfrentar – receber discos de ouro, apertar mãos e posar para fotos com convidados.

Após o assédio se dissipar, fui apresentado a um Grohl jovial e animado, vestindo camiseta preta da banda Mastodon, bermuda verde-oliva e o sorriso cheio de dentes. “Hey, man! How are you doing?”, saudou com um abraço e um “thanks” aparentemente sincero pela reportagem publicada. Encarando incredulamente seu próprio desaforo na capa da “Rolling Stone” que lhe entreguei, gargalhou e lamentou a falta de tempo desde o pouso no Brasil. “E já vamos embora amanhã!”, disse, ainda recebendo tapinhas nas costas e acenos à distância.

Nessa viagem, minha esposa veio comigo”, ele continuou, apontando para Jordyn, sentada em uma poltrona próxima. Ela se aproximou e Grohl nos apresentou. “Não trouxemos nossos filhos, deixamos as crianças em casa, com a minha mãe e a mãe dela. Estão com as avós, então somos só nós dois aqui na viagem toda, curtindo. No Chile fomos a uma vinícola, fizemos um jantar incrível…”.

E em São Paulo, conseguiram ver alguma coisa?

Fizemos porra nenhuma! Porque chegamos aqui ontem à noite”, ele faz careta, fingindo resignação. “É, eu sei. Então, da próxima vez, nós vamos chegar antes.”

E por que levaram tanto tempo para voltar aqui?

Honestamente? Eu estou feliz de termos demorado tanto para vir.” Ao perceber que poderia ser mal interpretado, ele fez questão de consertar: “Quero dizer, vou pensar em um bom exemplo. Ok: Espanha e Itália. Nós tocamos muitas vezes nesses países entre 1995 e 1998. Depois disso, a gente meio que parou de ir, porque havia outras partes do mundo pedindo para irmos fazer shows.”

O baixista Nate Mendel se juntou à roda enquanto o guitarrista Pat Smear folheava atentamente a revista. “Você a conheceu?”, Smear perguntou, apontando para uma foto de página inteira de Joan Jett. “Você deveria. Ela é maravilhosa!” Por coincidência, a TV ligada no canto da tenda indicava o exato início do show da cantora, no palco oposto. Algumas horas depois, ela estaria novamente em ação, dividindo duas músicas com o próprio Foo Fighters.

Grohl prossegue em sua tese. “Basicamente, voltamos à Espanha e à Itália no ano passado, porque não fizemos show nenhum lá em 12 anos. E foram do caralho. Todo mundo cantou as músicas. Já que não aparecíamos nesses países há tanto tempo, a ausência fez com que as pessoas quisessem muito aquilo. E daí fomos lá e ‘uhn!’”, ele bate na palma de uma mão com os dedos da outra. “Resultado: Foi o melhor show de todos os tempos. Agora, nós vamos retornar em breve. E será a mesma coisa com a América do Sul”, prometeu.

Acostumado a encarar multidões em caldeirões, Dave Grohl parecia genuinamente empolgado com a missão de entreter 75 mil brasileiros ansiosos. Inclusive, tinha pronto o plano para reverter a pressão e conquistar o controle logo de cara.

“A gente vai começar o show com ‘All My Life’”, ele disse em um sussurro, como se revelasse um truque sujo. “Espere só para ver o que acontece. É uma puta loucura!”


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