Blog do Pablo Miyazawa

Arquivo : dezembro 2014

Entrevista: o ano perfeito do Boogarins (e o que 2015 promete para a banda)
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Pablo Miyazawa

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“Dinho” Almeida (à esq.) e Ynaiã Benthroldo, metade do Boogarins. (Foto: Mídia Ninja/Divulgação)

O Boogarins foi uma das unanimidades da música brasileira em 2014.

E não está errado quem acha que eles surgiram “do nada”. Há pouco mais de um ano, o grupo formado em Goiânia jamais tinha feito shows fora do próprio estado. Mas graças a um bem executado espírito de “do it yourself” potencializado pela internet, a banda conseguiu lançar seu primeiro disco nos Estados Unidos antes mesmo de ter qualquer registro oficial no Brasil.

O grupo começou as atividades em 2012, ainda como uma dupla. Sozinhos, os guitarristas Fernando “Dinho” Almeida e Benke Ferraz gravaram as dez faixas que formam o disco  “As Plantas que Curam”. O título é uma homenagem à avó de Benke, adepta da medicina natural. Já o nome da banda veio de uma flor, o bogarim, da família do jasmim, que significa o “amor vivo e puro que existe dentro da pessoa”.

A repercussão positiva do disco rendeu à banda convites para se apresentar em festivais internacionais (foram mais de 100 shows fora do Brasil), boas críticas em grandes publicações e certo barulho na imprensa brasileira. No final de outubro, a banda venceu a categoria Artista Revelação do Prêmio Multishow, recebendo o prêmio das mãos de Ivete Sangalo. Semanas depois, apareceu na escalação do primeiro dia do festival Lollapalooza Brasil 2015. Para encerrar o ano perfeito, o quarteto foi uma das atrações do Popload Festival, que aconteceu na semana passada.

Escrevi uma reportagem sobre a trajetória do Boogarins para o UOL Música, que pode ser lida aqui. E abaixo, você confere mais trechos inéditos da entrevista com o guitarrista Benke Ferraz.

***

Ao longo de 2014, vocês fizeram muitos shows para plateias estrangeiras que desconheciam vocês. Daí, o “As Plantas que Curam” passou a repercutir e o público foi respondendo de modo diferente às músicas. Como vocês acompanharam a evolução da recepção ao trabalho da banda? 
Benke Ferraz: Nós tocamos muito pouco fora de Goiânia, antes da turnê internacional. Basicamente alguns shows pelo estado de São Paulo, em Recife e em Uberlândia. Em Goiânia, já tínhamos um publico cativo desde as primeiras apresentações, o que era a única coisa que esperávamos lançando as músicas antes de fazer shows. Após passar seis meses fora do país, tocando em todo canto, era de se imaginar que aumentaria a procura para que tocássemos em novos lugares aqui no Brasil e de certa forma, muita gente já conheceu as músicas. Mas o show é uma experiência totalmente diferente do disco, né? Nos Estados Unidos, pudemos tocar para platéias que nos desconheciam totalmente, caso dos shows de abertura pra atos maiores, como o Guided By Voices.
Mas, como o disco foi lançado oficialmente lá, também encontramos platéias bem familiarizadas com nossas músicas – mesmo que não cantando as letras por motivos óbvios [risos]. Ele esteve na lista dos 10 melhores de 2013 pelo “Chicago Tribune” e tocou bastante nas rádios de música alternativa de alguns estados. Coube a nós cumprir uma rota de turnê que, como diz o Raphael [Vaz, baixista], “plantasse a sementinha” em cidades que estivessem entre as cidades onde nós já tínhamos algum respaldo do público.

Você andam experimentando músicas novas nos shows recentes. Como o público está reagindo a elas? Chegaram a modificar as músicas antes de gravá-las para o disco, levando em consideração a recepção a elas ao vivo?
Para mim, é só maravilha [risos]. Tentamos sempre manter o primeiro disco como base do repertório, mas quando podemos fazer sets mais longos, gostamos de mostrar as coisas novas. Com certeza mudamos bastante coisa na hora de gravar. Tem coisa que funciona na energia do show, mas que gravado, com a pessoa podendo escutar aquilo nas mais diversas situações, não vai bater tão forte. Temos isso bem claro pra gente: palco e estúdio são ambientes diferentes, e como banda, procuramos coisas bem distintas em cada um. Mesmo que o disco tenha sido gravado ao vivo, não é pra ser um registro de como a banda soa ao vivo. É para ser qualquer coisa.

E o que você pode falar sobre o disco novo? Nome, faixas, estilo, influências, produtor… Tem previsão de lançamento?
Assim como o “As Plantas que Curam”, vejo esse novo trabalho como um disco de canção. As influências são muito soltas em estilo e estética, mas tudo aquilo feito com fluidez e verdade acaba nos inspirando a criar e a elaborar, não importa se é lo-fi ou high definition [risos]. O disco foi produzido pela banda. Gravado pelo Jorge Explosión, no Circo Perrotti, em Gijon, na Espanha. A nossa expectativa é ter o disco lançado no primeiro semestre de 2015. Mas sem pressão [risos].

O Ynaiã Benthroldo, ex-Macaco Bong, entrou na banda com a saída do Hans Castro, baterista anterior, que virou pai. Ele é um integrante fixo agora? E no disco, quem tocou a bateria?
Já está rolando muito bem. Pouco mais de um mês tocando com o Ynaiã e temos a impressão de tocar juntos há tempos. O disco foi gravado pelo Hans. Ele ainda fez outros dois meses de turnê com a gente após isso. Praticamente não pôde acompanhar a gravidez. Foi um momento complicado pra gente, mas agora tudo está nos eixos, inclusive as nenês já vieram ao mundo.

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Raphael Vaz (baixo) e Benke Ferraz (guitarra) em ação. (Foto: Mídia Ninja/Divulgação)

Os últimos 12 meses foram intensos para o Boogarins. Vocês surgiram do nada e alcançaram muito em pouco tempo. Quem os vê no palco não imagina que a banda é tão recente, nem que vocês são tão novos (Benke tem 21 anos e Dinho, 22). Como estão fazendo para manter os pés no chão? Há pressões, internas ou externas?
As coisas mudaram demais nesse ano realmente. Por mais que o contato da Other Music [selo que lançou “As Plantas que Curam” nos EUA] tenha acontecido no inicio do ano passado, tudo ainda estava no campo das ideias, não sabíamos o que iria acontecer de verdade.
Acho que a pressão sempre foi muito mais interna por causa disso. A gente sempre quis fazer isso, tocar e tocar e tocar. Mas se ano passado nos falassem que faríamos quase 150 shows em um ano, provavelmente ficaríamos amedrontados [risos] Tendo vivenciado essa rotina aprendemos muito, muito mesmo. Acredito que isso nos fez fincar os pés no chão ainda mais. Esse é o jeito de se fazer as coisas. Ansiosidade, impaciência, vaidade, são tipos de coisas que não podem tomar espaço. O Dinho me ajuda muito nesse trabalho diário do “despreocupar”.

Quais foram os melhores momentos desses últimos meses – viagens, prêmios, consagração? Alguma coisa que não deu certo, mas que vocês queriam que tivesse rolado?
Aconteceu muita coisa doida, né? Tocamos com muita gente massa, e com certeza não daria pra eu citar um momento em especial para a banda como um todo. Cada um dos meninos deve ter algo pra dizer. Eu fiquei muito feliz quando o Neil Halstead, do Slowdive, veio falar comigo após um show nosso em Oslo. Fiquei em choque. Sorte que uma norueguesa bonita se ofereceu pra tirar uma foto nossa, caso contrario nem teria como provar isso. Ver nosso disco e “Lucifernandis” na lista dos melhores de 2013 da “Rolling Stone” foi uma doideira também. Quando o Black Drawing Chalks conseguiu o primeiro lugar com “My Favorite Way” [em 2009], fiquei muito admirado. Estava no primeiro ano e começando a escrever canções com o Dinho e outros amigos e não via esse tipo de meta no horizonte [risos]. Engraçado como que no meio da correria a gente nem acaba comemorando tais conquistas, mas agora mesmo estou bem feliz.

E que tal a responsabilidade de ser uma das bandas nacionais no elenco do festival Lollapalooza 2015?
Acho demais. Gostamos mesmo de tocar em locais pequenos, mas sempre é legal ter a oportunidade de tocar pra tanta gente assim. O que esperamos é fazer quem assistir nosso show pela primeira vez no Lolla, voltar a nos assistir em algum evento mais intimista, onde podemos extrapolar mais e ter certeza de que o som está alto.

 


Há 20 anos a Sony lançava o PlayStation. E a “culpa” foi toda da Nintendo
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Pablo Miyazawa

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O PlayStation completa 20 anos de existência neste 3 de dezembro.

Eu mesmo não estava atento a essa data. Fui alertado por um repórter de um jornal, que me ligou pedindo uma opinião sobre o tema (e agradeço ao Gustavo Foster pela lembrança. Aqui está a reportagem dele para o “Zero Hora”). Para mim, a data certa da celebração de duas décadas seria em algum momento do ano que vem. Talvez porque o console, o primeiro fabricado pela Sony, tenha saído oficialmente no Ocidente somente no segundo semestre de 1995, e foi então que as coisas realmente começaram a mudar. De qualquer forma, 3 de dezembro de 1994 foi o dia em que as primeiras embalagens de PlayStation lotaram as prateleiras das lojas de eletrônicos e brinquedos no Japão.

É uma data marcante, porque nada mais foi como antes. Antes disso, o mercado de videogames era determinado pela disputa entre Nintendo e Sega, ambas japonesas e tradicionais fabricantes de jogos eletrônicos, que vinham brigando pelo público gamer há quase uma década – com o NES/Famicom e o Master System, respectivamente, depois com o Super Nintendo/Super Famicom e o Genesis/Mega Drive. Lembrando que a Sega ainda lançou o Saturn (também em 1994) e o Dreamcast (1998), para mais tarde encerrar sua carreira de fabricante de consoles.

Mas essa dinâmica mudou com a chegada do PlayStation. Ele marcou o início do fim da era dos cartuchos, mas mais do que isso. Os jogos deixavam de ter apenas duas dimensões para ganhar profundidade, gráficos animados, cutscenes e trilhas cinematográficas. Alguns dos principais parceiros da Nintendo – a Square e seus RPGs – abraçaram a causa da Sony e deixaram a Nintendo a ver navios. O Nintendo 64 saiu só em 1996, mas o estrago do PlayStation já estava feito. A Sony acabou se transformando em sinônimo de videogames mais rapidamente do que qualquer um poderia esperar.

E é irônico – para não dizer sensacional – que a Sony só tenha criado seu próprio console porque ficou magoada com a Nintendo. Essa história é impressionante e pouco comentada, mas determinou os rumos da indústria de uma maneira única.

Na metade dos anos 1980, a Nintendo firmou uma parceria com a Sony, então “apenas” uma poderosa fabricante de aparelhos eletrônicos e tecnologia. A ideia era que a empresa ajudasse a Nintendo a criar o chamado SNES-CD, um acessório para seus consoles com a capacidade de ler discos ópticos. Ao mesmo tempo em que desenvolvia o projeto, a Sony também tinha a intenção de produzir sua própria máquina de jogos, o “Play Station”, que além dos discos, também rodaria cartuchos de Super NES/SuperFamicom. Todo o projeto foi vislumbrado e comandado pelo habilidoso engenheiro Ken Kutaragi (que mais tarde ficou conhecido como “o pai do PlayStation”).

Só que as empresas nunca se entenderam bem em relação ao lado financeiro do negócio – resumindo, “quem ficará com os lucros?”. O contrato entre ambas não era claro e continha várias brechas. Após muito bate-boca nos bastidores e idas e vindas (a história é tão complexa que é impossível saber quem estava certo e quem estava errado), a Nintendo cancelou sua parte do acordo e foi fazer parceria com a Phillips (e como bem sabemos, isso não resultou em qualquer produto relevante). A parceria com a Sony, porém, rendeu um detalhe importante à arquitetura do Super Nintendo: o chip de som do console, criado também por Kutaragi.

As diferenças entre as empresas acabaram se resolvendo, mas não o suficiente para deixar a Sony satisfeita. A humilhação havia sido grande e o orgulho da fabricante ficou ferido (não se mexe com o orgulho de uma empresa japonesa e se sai impune). Mesmo contrariando as vontades de parte dos executivos da velha guarda da empresa, a Sony resolveu apostar na indústria dos videogames. Pegou o projeto do Play Station e investiu pesado no desenvolvimento. Um belo dia, revelou ao mundo que lançaria sua própria máquina de jogos independente. E no final de 1994, colocou no mercado japonês o Sony PlayStation (agora com uma palavra só). No ano seguinte, o produto desembarcou nos Estados Unidos e na Europa.

O resto, como dizem, é história. A Sony se tornou sinônimo de videogames para uma enorme parcela do novo público e jamais abandonou o papel de protagonista da indústria, mesmo com dificuldades financeiras causadas pelo alto custo de desenvolvimento de suas máquinas futuras. A Nintendo, por sua vez, amargou um baque do qual demorou a se recuperar – só voltou a ter grande sucesso com consoles quando se afastou completamente da briga, que agora além da Sony, contava também com a presença da Microsoft e o Xbox. O Wii (de 2006) foi uma volta às origens, e só recolocou a Nintendo novamente no topo das vendas porque ela já não competia mais de igual para igual com as rivais, tecnicamente falando: a empresa do Super Mario voltou a vencer pelas boas ideias e pelos personagens, e não pelo avanço tecnológico e os gráficos proporcionados por sua máquina.

A única certeza é a de que uma parceria consolidada entre Nintendo e Sony daria um rumo totalmente diferente à indústria dos games como hoje a conhecemos. Será que a Microsoft teria enfim entrado na jogada, ou será que outros fabricantes em atividade na época, como Sega, NEC e Atari, continuariam a ter papéis de destaque? Também é impossível não questionar: será que a Nintendo se arrependeu amargamente de ter rompido o acordo com a Sony?

De qualquer modo, é interessante constatar como uma indústria de games completamente diferente foi determinada a partir dos destroços de uma parceria esfacelada. O velho ditado diz que para algo novo surgir, é preciso que alguma coisa seja destruída antes. No caso dos consoles de videogames, foi exatamente isso o que aconteceu.