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Que tipo de público o elenco principal do Lollapalooza conseguirá atrair?
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Pablo Miyazawa

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Artistas da edição 2015 do Lollapalooza Brasil, que ocorrerá em 28 e 29 de março. (Reprodução/Site Oficial)

A imagem acima mostra o elenco do Lollapalooza 2015, marcado para março do ano que vem, em São Paulo.

Ainda não está confirmado, mas dá para presumir que os dois primeiros artistas da lista são aqueles que fecharão cada dia de evento no palco principal 1. Sendo assim, pergunto: um festival que tem Jack White e Pharrell Williams como headliners (e Calvin Harris, Robert Plant, Skrillex, Smashing Pumpkins e Foster the People como co-headliners) está convidando exatamente que tipo de público?

Dá para entender a dificuldade cada vez maior de ser criar um festival de sucesso no Brasil. Muito porque o que rola aqui é diferente do que ocorre em eventos gringos: lá fora, a maior parte do público comparece mais por causa da experiência (como dizem por aí, “pela balada”) do que pela música em si. É por isso que o californiano Coachella sempre tem ingressos esgotados desde 2002. É por isso também que os 150 mil ingressos da edição 2015 do britânico Glastonbury foram vendidos em menos de meia hora, nove meses antes do festival acontecer – e a programação só sairá daqui uns meses. Quais bandas vão tocar em cada dia, ou quais serão os headliners, isso tudo é mero detalhe para o consumidor típico desses grandes festivais nos EUA e Europa.

É verdade que um fenômeno semelhante tem ocorrido no Brasil com o Rock in Rio, no qual a pré-venda de ingressos se esgota muitos meses antes de se anunciar a programação final. Mas o RIR não é apenas a exceção, como também a principal referência desse tipo de evento para o público mainstream.

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Coachella em 2014: a música é importante, mas o restante é fundamental (Divulgação/Coachella.com)

A lógica por aqui ainda é diferente. Assim como qualquer produto de entretenimento, grandes shows internacionais custam caro demais para grande parte do público-alvo. Mesmo quem ama música mais do que qualquer coisa precisa refletir antes de gastar dinheiro com ingressos. Muita gente do Brasil inteiro adoraria comparecer ao Lollapalooza, mas a maioria dos consumidores potenciais (que não possuem carteirinha de estudante) precisaria de um ótimo motivo para gastar quase um salário mínimo em um único fim de semana (os ingressos para os dois dias saem por R$ 660).

Concluo que para um festival no Brasil esgotar os ingressos (e é esse o objetivo de quem produz um evento desses), é preciso oferecer atrações de peso e tradição, com uma base de fãs consistente e fiel. Sempre espera-se que o artista principal do maior palco seja um grande carregador de público, que sozinho consiga convencer as pessoas a comparecer, independentemente do preço da entrada e da qualidade do restante da programação. Dessa forma, esse tipo de fã vai ao evento porque não pode perder por nada desse mundo o grande show de sua banda do coração. O que vier antes (e nos outros palcos) é lucro.

Essa máxima se aplicou nas edições anteriores do Lollapalooza Brasil, e deu certo na metade das vezes. Ou seja, artistas que o senso comum presume que possuem muitos fãs apaixonados realmente atraem um público mais volumoso ao festival.

No primeiro ano do Lollapalooza, em 2012, as atrações principais foram Foo Fighters (que em janeiro tocará em quatro capitais) e Arctic Monkeys (que tocou nesse final de semana em São Paulo e Rio). A noite liderada pela banda de Dave Grohl estava abarrotada (o muito popular FF jamais havia se apresentado na cidade); a noite fechada pelo AM (um grupo relativamente novato) não esgotou os ingressos. Era de se esperar.

Em 2013, com um dia de festival a mais, os headliners do palco 1 foram nomes mais jovens e efêmeros como The Killers e Black Keys, além do “veterano” Pearl Jam. O único dia de ingressos esgotados foi mesmo o último, cuja atração principal foi… a banda de Eddie Vedder, que tem mais história, mais de 20 anos de carreira e um fã-clube dedicado.

No ano passado, novamente em dois dias, tocaram por último o Muse e o Arcade Fire. O primeiro dia, comandado pelo trio britânico, sensação entre o público jovem, teve ingressos esgotados (80 mil, o maior da história do festival). O segundo, com o Arcade Fire, respeitado na cena indie, estava bem menos lotado. É possível alegar que o dia 1 teve ótimo público não apenas por causa do headliner, mas por outras atrações valiosas e emergentes da programação, como Lorde e Imagine Dragons – ambos, aliás, acabaram tocando equivocadamente em palcos secundários, muito aquém de seus potenciais.

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Jack White deve ser o headliner do dia 1 do Lolla 2015, em 28 de março. (Divulgação)

Este ano, dá para sentir uma diferença brutal entre os gêneros que vão imperar em um dia e no outro: Jack White é do rock. Já Pharrell Williams, nesse momento está mais próximo do pop. Nenhum dos dois pode ser considerado um artista enorme no Brasil, mas sendo otimista, dá para imaginar que ambos lotariam seus respectivos shows solo.

Puxado pelo insistente hit “Happy” e pelas participações em músicas recentes do Daft Punk e Robin Thicke, Pharrell até poderia lotar uma Arena Anhembi esse ano. Já Jack White, que para muita gente no Brasil ainda é “aquele cara do White Stripes”, talvez enchesse um Espaço das Américas e olhe lá. Em ambos os casos, não enxergo neles um artista de massa capaz de lotar estádios (ou no caso, um Autódromo de Interlagos), como foi o caso de Foo Fighters, Pearl Jam e Muse. E o mesmo pode ser dito dos outros headliners do ano: Calvin Harris, Robert Plant, Skrillex, Smashing Pumpkins e Foster The People atraem públicos numerosos por aqui, mas será que o bastante para esgotar ingressos?

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Pharrell deveria estar mais “happy” por fechar a segunda noite do Lolla BR. (Divulgação)

No que diz respeito ao line-up, variedade e contemporaneidade das atrações que apresenta, o Lollapalooza é o melhor festival do país. Não há outro modo de se ver ao vivo tantos artistas modernos ao mesmo tempo em que estão estourando nos grandes mercados estrangeiros. Mas não é só de bandas novas carregadas de hype e hits recentes que se faz um festival 100% lucrativo no Brasil. É preciso agradar a massa – e é por essas e outras que o Rock in Rio sempre faz muito sucesso.

É óbvio que a organização do Lollapalooza quis reunir o melhor elenco possível. Deve ter tentado outros nomes de peso, e se não conseguiu trazê-los, provavelmente foi por uma razão burocrática qualquer – indisponibilidade de data, conflito de agenda, valor de cachê etc. E quais poderiam ser os headliners mais certeiros de um festival que se propõe a atrair 80 mil pessoas por dia? Infelizmente, são poucos os nomes grandes, tradicionais, disponíveis e que ainda sejam novidade em nossos palcos. Mas quem aí falou que o brasileiro só gosta de novidade? Por isso reuni de cabeça sete nomes (em ordem alfabética) que talvez funcionassem bem em um evento tão eclético e ambicioso como o Lolla. Será que alguém aí reclamaria de ver algum desses caras novamente?

1. Beyoncé
Lotou estádios em cinco capitais em 2013. Está no topo da cadeia alimentar do pop.

2. Black Sabbath
Os quatro shows que o grupo fez por aqui em 2013 não supriram a demanda.

3. Coldplay
Já faz três anos que não aparece e especulava-se que viria dessa vez.

4. Metallica
Tem aparecido aqui com frequência – foram seis shows desde 2010.

5. Paul McCartney
Macca já é brasileiro: até o final de 2014, serão 16 shows no país em cinco anos.

6. Radiohead

Não faz shows desde 2012 (e só veio para cá em 2009), mas não custa sonhar.

7. Red Hot Chili Peppers

São carne de vaca: foram headliners de dois Rock in Rio e um Hollywood Rock.

Quem tiver mais alguma sugestão, é só comentar abaixo.


O novo do Foo Fighters chegou; ouça as oito faixas de “Sonic Highways”
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Pablo Miyazawa

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O novo disco do Foo Fighters, “Sonic Highways”, saiu nesta segunda-feira, 10 de novembro. Semanas antes, a banda de Dave Grohl havia desvendado mais da metade do trabalho, em singles lançados todas as sextas-feiras desde a metade de outubro. Tudo faz parte da caprichada estratégia de lançamento do álbum, que também inclui um documentário em forma de seriado exibido atualmente no canal HBO (no Brasil, “Sonic Highways” será exibido no canal BIS a partir do fim do mês).

“Sonic Highways” é um álbum conceitual que homenageia as chamadas “capitais da música” dos Estados Unidos. A banda escolheu a dedo oito cidades e compôs canções sobre cada uma delas, gravando em estúdios locais e contando com participações especiais de músicos relevantes das respectivas cenas. O resultado é interessante e diversificado, ainda que não seja exatamente o disco mais conciso já produzido pelo grupo. Mas como experimento artístico e jogada de marketing, é bastante válido. Grohl prometeu algo surpreendente para o próximo passo do Foo Fighters, e não estava exagerando.

Se preferir, escute o disco inteiro clicando aqui. Ou vá ouvindo pelos vídeos abaixo.

“Something from Nothing”
O primeiro single é uma homenagem a Chicago e foi gravado no estúdio Electrical Audio, do mítico produtor Steve Albini (de “In Utero” do Nirvana). Conta com a participação do guitarrista Rick Nielsen, do Cheap Trick.

“The Feast and the Famine”
O single número dois celebra a capital americana Washington D.C., onde Dave Grohl passou a adolescência e se envolveu com a cena hardcore local. Foi gravada no Inner Ear Studios com a participação dos veteranos do Bad Brains.

“Congregation”
Nashville, ou melhor, a rica cena country da capital do Tennessee, foi a inspiração do terceiro single de “Sonic Highways”. Gravado no estúdio Southern Ground, contou com a participação vocal do astro local Zac Brown.

“What Did I Do? / God as My Witness”
O quarto single foi gravado em Austin, cidade texana que se intitula a capital da música e que abriga o cultuado festival South by Southwest. Gravada no KLRU-TV Studio 6A, teve a participação do guitar hero Gary Clark Jr.

“Outside”
O quinto single de “Sonic Highways” é uma celebração a Los Angeles. A faixa foi gravada em Rancho De La Luna, em Joshua Tree, e tem como convidado o guitarrista Joe Walsh, do The Eagles.

“In the Clear”
Dedicada a Nova Orleans, teve participação da big band Preservation Hall Jazz Band e foi gravada em um estúdio improvisado no próprio Preservation Hall.

“Subterranean”
Gravada no Robert Lang Studios, em Seattle, conta com a voz e a guitarra de Ben Gibbard, líder do Death Cab for Cutie/Postal Service.

“I Am a River”
Exaltando Nova York e fechando o disco, a faixa traz a guitarra extra (e quase inaudível) da musa Joan Jett e foi gravada no estúdio The Magic Shop.

E você, como recebeu “Sonic Highways”? Em breve eu digo o que achei do disco completo.


Dave Grohl é provavelmente o cara mais legal do rock – goste você ou não
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Pablo Miyazawa

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Para Dave Grohl, a vida está sempre jóia. Foto: Frederick M. Brown/Getty Images

Ontem o Foo Fighters apresentou uma música nova.

A faixa “Something From Nothing” é uma homenagem a Chicago, uma das oito cidades celebradas no disco-série-experimento “Sonic Highways”. Basicamente, Dave Grohl e seus comparsas criaram um lançamento multimídia robusto que deveria ensinar algo aos marqueteiros do U2 sobre como fazer barulho em cima de um novo disco. O single foi lançado oficialmente nesta sexta-feira, enquanto o disco completo chega às lojas em 10 de novembro.

Só que “Sonic Highways” não é só um álbum. O Foo Fighters escolheu cidades marcantes para a música norte-americana e gastou uma semana em cada uma. Instalou-se em um estúdio para ensaiar trechos de música e fazer jams. Entre as sessões, Grohl visitou e entrevistou figuras importantes da música local. O material em vídeo se transformou em uma série de oito episódios que começa a ser exibida hoje nos EUA, no canal HBO. No Brasil, “Sonic Highways” será exibida pelo canal pago BIS a partir de 30 de novembro.

As entrevistas de Grohl também inspiraram anotações que se tornavam versos para a música que era ensaiada. O próprio vocalista organizou e escreveu as letras e as gravou na hora com a banda. E isso se repetiu por mais sete semanas. “Sonic Highways” tem oito faixas, escritas e finalizadas cada uma em Chicago, Washington D.C., Nashville, Nova Orleans, Los Angeles, Austin, Seattle e Nova York.

Além disso, ao longo dessa semana, a banda promoveu a empreitada em cinco apresentações seguidas no programa de David Letterman.

Musicalmente, “Something For Nothing” é aquele Foo Fighters de sempre: introdução silenciosa, múltiplos riffs, guitarras altas e independentes, bateria pesada em meio-tempo e Grohl aproveitando para soltar a garganta como bem sabe fazer. Dada a natureza experimental de todo processo de composição do álbum, acho difícil encontrarmos entre as outras faixas algum hit persistente como “Everlong” ou “Learn to Fly”. Mas isso não seria novidade, visto que o Foo Fighters segue uma incômoda tradição de fazer discos irregulares, com metade de canções muito boas e a outra metade não tão inspirada (a exceção é o perfeito “The Colour and the Shape”, de 1997).

Do ponto de vista mercadológico, entretanto, o Foo Fighters dificilmente erra. O interessante é notar que um plano de lançamento tão bem calculado e ambicioso poderia impulsionar um efeito contrário: o de muita gente ficar de bode do Foo Fighters antes mesmo de o novo disco sair. Conheço muitos fãs incondicionais de Dave Grohl, mas me impressiona como tem gente que ouve rock e não simpatiza com o sujeito – e, consequentemente, com a atual banda dele. Seriam problemas o bom humor e o otimismo que ele exibe publicamente? Ou a sua onipresença constante na cena roqueira?

Capa completa de “Sonic HIghways”, previsto para 10 de novembro. (Reprodução)

Por outro lado, não há quem não respeite a trajetória dele como baterista do Nirvana. Concordo que são trabalhos diferentes e circunstancialmente únicos, e que ninguém é obrigado a achar o Foo Fighters maravilhoso só porque é a banda do sujeito que gravou o “Nevermind”. Mas creio que desde que recomeçou a carreira após a morte de Kurt Cobain, Grohl sempre trabalhou duro, foi eficiente e fez por merecer os muitos fãs que tem – além do título de “cara mais legal do rock”.

Sou daqueles que respeita e gosta do Foo Fighters, mas que prefere Dave Grohl na bateria. De qualquer forma, o considero um artista diferenciado e verdadeiro no que diz respeito ao esforço com que vende seu peixe. É um cara devoto à música e que ama o que faz, um guitarrista competente, um baterista excelente e o dono de uma das vozes mais marcantes do rock nos últimos 15 anos. Respeita seus mestres e se orgulha de compartilhar o palco com eles. Se Grohl é o grande “arroz de festa” do rock, é porque fez por merecer tocar com Paul McCartney, Jimmy Page, Robert Plant, Ozzy Osbourne, Tony Iommi e Bob Mould, só citando alguns.

Capa da “Rolling Stone Brasil” com Dave Grohl, de março de 2012. (Reprodução)

Capa da “Rolling Stone Brasil” com Dave Grohl, de março de 2012. (Reprodução)

Comprovei pessoalmente essa mítica simpatia quando o Foo Fighters foi a atração principal do festival Lollapalooza, em 2012. Eu havia entrevistado Grohl por telefone um mês antes, para a matéria de capa da “Rolling Stone Brasil”. Os 15 minutos programados se tornaram 30 apenas porque ele quis contribuir mais para o material. Foi simpático desde a primeira saudação e solícito durante todo o tempo. Bem preparado, rendeu frases fortes e não fugiu dos temas, falando inclusive sobre o Nirvana (que supostamente era um tema proibido da conversa). A revista vendeu bem, apesar da imagem da capa – Grohl oferecendo gentilmente o dedo do meio ao leitor, em uma foto não tão recente.

Em 7 de abril de 2012, dia do show, os produtores do festival avisaram que a banda me receberia. Às 19h, fui levado para a tenda atrás do palco onde eles atendiam executivos de gravadora (e suas famílias). Era a tradicional cerimônia de “meet and greet” a que os headliners em turnê mundial são obrigados a enfrentar – receber discos de ouro, apertar mãos e posar para fotos com convidados.

Após o assédio se dissipar, fui apresentado a um Grohl jovial e animado, vestindo camiseta preta da banda Mastodon, bermuda verde-oliva e o sorriso cheio de dentes. “Hey, man! How are you doing?”, saudou com um abraço e um “thanks” aparentemente sincero pela reportagem publicada. Encarando incredulamente seu próprio desaforo na capa da “Rolling Stone” que lhe entreguei, gargalhou e lamentou a falta de tempo desde o pouso no Brasil. “E já vamos embora amanhã!”, disse, ainda recebendo tapinhas nas costas e acenos à distância.

Nessa viagem, minha esposa veio comigo”, ele continuou, apontando para Jordyn, sentada em uma poltrona próxima. Ela se aproximou e Grohl nos apresentou. “Não trouxemos nossos filhos, deixamos as crianças em casa, com a minha mãe e a mãe dela. Estão com as avós, então somos só nós dois aqui na viagem toda, curtindo. No Chile fomos a uma vinícola, fizemos um jantar incrível…”.

E em São Paulo, conseguiram ver alguma coisa?

Fizemos porra nenhuma! Porque chegamos aqui ontem à noite”, ele faz careta, fingindo resignação. “É, eu sei. Então, da próxima vez, nós vamos chegar antes.”

E por que levaram tanto tempo para voltar aqui?

Honestamente? Eu estou feliz de termos demorado tanto para vir.” Ao perceber que poderia ser mal interpretado, ele fez questão de consertar: “Quero dizer, vou pensar em um bom exemplo. Ok: Espanha e Itália. Nós tocamos muitas vezes nesses países entre 1995 e 1998. Depois disso, a gente meio que parou de ir, porque havia outras partes do mundo pedindo para irmos fazer shows.”

O baixista Nate Mendel se juntou à roda enquanto o guitarrista Pat Smear folheava atentamente a revista. “Você a conheceu?”, Smear perguntou, apontando para uma foto de página inteira de Joan Jett. “Você deveria. Ela é maravilhosa!” Por coincidência, a TV ligada no canto da tenda indicava o exato início do show da cantora, no palco oposto. Algumas horas depois, ela estaria novamente em ação, dividindo duas músicas com o próprio Foo Fighters.

Grohl prossegue em sua tese. “Basicamente, voltamos à Espanha e à Itália no ano passado, porque não fizemos show nenhum lá em 12 anos. E foram do caralho. Todo mundo cantou as músicas. Já que não aparecíamos nesses países há tanto tempo, a ausência fez com que as pessoas quisessem muito aquilo. E daí fomos lá e ‘uhn!’”, ele bate na palma de uma mão com os dedos da outra. “Resultado: Foi o melhor show de todos os tempos. Agora, nós vamos retornar em breve. E será a mesma coisa com a América do Sul”, prometeu.

Acostumado a encarar multidões em caldeirões, Dave Grohl parecia genuinamente empolgado com a missão de entreter 75 mil brasileiros ansiosos. Inclusive, tinha pronto o plano para reverter a pressão e conquistar o controle logo de cara.

“A gente vai começar o show com ‘All My Life’”, ele disse em um sussurro, como se revelasse um truque sujo. “Espere só para ver o que acontece. É uma puta loucura!”


Bob Mould completa 54 anos. Sem ele não haveria Pixies, Nirvana e Green Day
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Pablo Miyazawa

Bob Mould se apresenta no Riot Fest, em Denver, em 21 de setembro último. Crédito: AP

Bob Mould se apresenta no Riot Fest, em Denver, em 21 de setembro último. Crédito: AP

Hoje, 16 de outubro, Bob Mould completa 54 anos.

Para quem sempre acompanhou a carreira dele, as próximas linhas poderão soar redundantes. Mould foi um dos fundadores do trio Hüsker Dü, que existiu de 1979 a 1988 e ajudou a abrir as portas do mainstream para o rock underground. Chame de punk, hardcore, pós-punk, power pop ou como quiser: o Hüsker Dü fez de tudo e influenciou quem estivesse por perto, e o frontman-guitarrista Mould era o seu enfurecido porta-voz (dividindo as funções de composição e vocais com o baterista ripongo Grant Hart). É mais do que certo decretar que se não fosse por eles, aquilo que um dia chamamos de “rock alternativo” soaria bastante diferente. O Pixies não seria daquele jeito, o Nirvana talvez nem existisse, o Green Day muito menos, e por aí vai.

Depois de uma dissolução amarga e mal-resolvida, Mould seguiu carreira solo e liderou outro trio de apelo mais adocicado, o Sugar. Se não experimentou tanta aclamação crítica quanto sua banda anterior, Mould se manteve em alta e gerou um dos discos fundamentais do rock noventista – “Copper Blue”. Dois álbuns e um EP depois, Mould seguiu experimentando, flertou com a música eletrônica e caiu em um ligeiro ostracismo. Chegou a desentender-se com o rock, mas fez as pazes em definitivo com o ótimo “The Silver Age” (2011). No mesmo ano, participou de uma faixa do Foo Fighters (“Rosemary”) e ganhou um show-tributo a sua carreira, com as participações de Ryan Adams e Dave Grohl. Aliás, foi Grohl quem declarou na ocasião, soando muito sincero: “Se não fosse por ele, eu não estaria fazendo música desse jeito, ou tocando guitarra como eu toco”. É justo.

Capa de “Beauty & Ruin”, disco mais recente de Bob Mould. Crédito: Reprodução

Capa de “Beauty & Ruin”, disco mais recente de Bob Mould. Crédito: Reprodução

Mould já havia se entendido como um roqueiro grisalho em “The Silver Age” e confirmou sua reconexão com o passado em “Beauty & Ruin”, desde já um dos melhores discos de 2014. Além de combinar com destreza os recursos musicais típicos de toda sua carreira – as guitarras ferozes, a velocidade do hardcore, a pureza acústica e as densas melodias –, ele finalmente se sente em paz com a época áurea do Hüsker Dü: na capa, uma foto de um Bob jovem, fumante e descabelado contrasta mesclada a uma imagem recente, sóbria, de óculos, touca e barba branca.

Do ponto de vista musical, a importância de Mould para o rock é inestimável. Mas existe um outro aspecto da vida pessoal dele que também merece atenção. No auge do sucesso do Sugar, em 1994, ele se assumiu homossexual em uma entrevista para a revista “Spin”. Apesar de aliviado, passou anos lidando com o tema de modo comedido, sem saber como agir e abordar a questão publicamente. Sentia-se desconectado da comunidade gay e pouco à vontade no papel de ícone. Somente em 2004, após o fim de um relacionamento estável de 14 anos, passou a se enxergar melhor resolvido e confortável na própria pele. Antes tarde do que nunca, Bob Mould finalmente está em paz. Essa história é contada sem meias palavras e com sinceridade tocante na biografia “See a Little Light: The Trail of Rage and Melody”, lançada em 2011 (inédita no Brasil).

“See a LIttle LIght”, a biografia de Mould, ainda está inédita no Brasil. Crédito: Reprodução

“See a LIttle LIght”, a biografia de Mould, ainda está inédita no Brasil. Crédito: Reprodução

Escrito em parceria com o jornalista Michael Azerrad, o livro percorre a infância brilhante e a adolescência confusa de Mould, enquanto oferece detalhes preciosos sobre a cena do hardcore norte-americano e a extenuante vida de uma banda na estrada. Mas é quando mergulha na autocritíca, já na meia idade, que a narrativa realmente comove: “Tive muita tristeza e arrependimento por não ter me assumido antes – minha vida teria sido tão diferente. Mas ficava tão preocupado sobre como assimilariam o meu trabalho que eu não considerava o impacto que teria nas pessoas por ser um roqueiro gay assumido”. Um personagem raro em um universo tão machista como o do rock de guitarras, Bob Mould talvez nunca irá obter a atenção que merece pelos tantos serviços prestados à música. Mas ele merece ser aplaudido ainda mais pela bravura de abrir o coração e dividir suas incertezas e convicções com o mundo.


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